Escola não é lugar de polícia e de militares: pelo direito à educação de qualidade e contra a criminalização de estudantes pobres e negros

Entidades lançam nota de repúdio à ação truculenta da Polícia Militar de São Paulo na Escola Estadual Emygdio de Barros, zona oeste da cidade de São Paulo

Da Plataforma DHESCA

Policiais agridem jovens na Escola Estadual Emygdio de Barros – Foto: Reprodução/Facebook 

A Plataforma DHESCA Brasil, a Rede Escola Pública e Universidade (REPU), o Centro de Estudos Educação e Sociedade (Cedes), a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e a Fineduca – Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento Educacional vêm manifestar publicamente profunda indignação diante da ação truculenta da Polícia Militar de São Paulo na Escola Estadual Emygdio de Barros, zona oeste da cidade de São Paulo, nesta semana, que resultou em violência contra estudantes da instituição. Ao menos dois estudantes negros foram agredidos brutalmente por policiais militares, ação filmada por outros alunos que, aos gritos, pediam que a violência parasse.

Diante da repercussão pública, os policiais foram afastados de suas funções pelo governo do estado e o Conselho Tutelar da região e o Conselho Estadual da Pessoa Humana apresentaram denúncia ao Ministério Público do Estado de São Paulo e à Defensoria Pública do Estado de São Paulo solicitando imediata apuração dos fatos e a punição dos agentes públicos envolvidos.

Segundo relatos publicados pela imprensa, o Policiamento Escolar foi acionado pela diretora da escola em decorrência de um rapaz, estudante da escola até o ano passado, ter se recusado a atender o pedido da diretora de deixar o local depois de ser informado que sua matrícula havia sido cancelada na unidade por motivos de falta e indisciplina após decisão do Conselho da Escola. Anteriormente ao incidente na escola, o aluno havia recorrido ao órgão responsável da Secretaria Estadual de Educação, que confirmou a matrícula do estudante na unidade. A falta de comunicação entre o órgão da Seduc-SP e a escola contribuiu para a situação gerada.

Destaca-se que a destruição, nos últimos anos, das políticas de mediação de conflitos na rede estadual de ensino de São Paulo, em um contexto marcado pela precarização das condições de atendimento educacional e de vida da população, tem levado muitas escolas a acionarem a policia militar para resolver conflitos que deveriam ser tratados exclusivamente por profissionais de educação e de outras áreas sociais que compõem a rede de proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) e no Estatuto da Juventude(2013). Observa-se também que toda e qualquer decisão administrativa em um estabelecimento educativo tem implicações pedagógicas. É preciso maior transparência aos procedimentos de matrícula e de permanência dos estudantes por parte da Secretaria de Educação e das escolas para a garantia do direito à educação.

A ação truculenta da Polícia Militar de São Paulo foi registrada pelas alunas e alunos da escola. Os vídeos que circularam nas redes sociais mostraram policiais tirando o rapaz de uma sala de aula, enquanto um jovem filmava a abordagem. Um dos policiais que fazia o acompanhamento do primeiro jovem deu um soco no rapaz com o celular e o dominou, segurando-o por uma das pernas. Ao mesmo tempo, outro policial deu uma rasteira, fazendo o estudante cair no chão, onde recebeu chutes e socos de quatro policiais.

Outros agentes utilizaram spray de pimenta e apontaram armas para estudantes que tentavam interceder pelo colega. Um policial ainda dominou, com um golpe de estrangulamento, o rapaz que teria se recusado a sair de uma das salas de aula. Outra gravação revelou que, depois de toda a violência, os dois rapazes foram algemados, detidos por desacato e encaminhados ao 91º Distrito Policial. Os alunos foram liberados somente no dia seguinte.

Inúmeras violações de direito humanos foram cometidas contra os estudantes – da negação do direito à educação a agressões físicas, ameaças e à detenção de adolescente sem comunicado à família, entre outras – que se caracterizam como explícito abuso de autoridade. Dessa forma, nos somamos e exigimos a rigorosa apuração dos fatos, que o Estado reconheça publicamente a violação cometida e a reparação imediata, inclusive financeira, aos jovens atacados pelos agentes do Estado.

O fato ocorrido na Escola Estadual Emygdio de Barros não é isolado, e se vincula à crescente militarização dos espaços escolares em todo o país, estimulada por governos federal e estaduais por meio de programas públicos como o das escolas cívico-militares, lançado em 2019 pelo Ministério da Educação, e o programa estadual de militarização do governo Dória. Militarização que visa o controle dos corpos (sobretudo, da juventude negra e pobre), a imposição de padrões de comportamento, a limitação do debate crítico e democrático e a restrição dos conteúdos do que pode ou não ser abordado nas instituições educativas.

Em um contexto de profundos cortes de recursos das políticas educacionais e sociais, da fragilização das condições de atendimento das escolas – como a vivenciada pela Escola Estadual Emygdio de Barros, com a falta recorrente de professores, agentes escolares, dentre outros graves problemas, que sobrecarregam a direção e os profissionais de educação –, a solução autoritária é transformar as escolas em espaços de repressão, confinamento e de controle de crianças, adolescentes e jovens, num claro descumprimento ao princípio constitucional de gestão democrática da escola pública.

A sociedade brasileira precisa dar um basta a esse imenso retrocesso, e defender o direito constitucional à educação pública de qualidade contra a atuação obscurantista de grupos que destroem a educação brasileira e criminalizam a juventude negra e pobre do nosso país.

 

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