A maioria doentes presos está na mira do coronavírus e dificilmente terá vaga em UTI. E o vírus que circula ali será espalhado por toda comunidade externa.
Por Cida de Oliveira, Da RBA
Amontoados em celas insalubres, pouco iluminadas e ventiladas, presos com diversos problemas de saúde, em que se destacam a infecção pelo HIV, tuberculose, sífilis, entre outras, estão na mira do novo coronavírus. O Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo (Sifuspesp) comunicou nesta hoje (20) que um detento do Centro de Progressão Penitenciária (CPP) em Bauru, foi diagnosticado com coronavírus. Ontem, a entidade havia informado a infecção pelo vírus em um servidor do Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário de São Paulo, na capital paulista.
As previsões chegam a ser catastróficas quando os presídios podem ser comparados a verdadeiras bombas biológicas. Primeiro porque a suspensão aos presos não impede a entrada do vírus: “Funcionários continuarão entrando e saindo, tendo contato com os presos e com a comunidade externa, levando e trazendo o vírus”, diz o médico Francisco Job Neto, que percorreu presídios para o seu doutorado em epidemiologia das doenças infecciosas no sistema prisional, defendido ano passado na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Para ele, as administrações penitenciárias são “ingênuas” ao acreditar que isolar os presos evita a contaminação do restante da população.
Rebeliões
Nesse caso, o que a suspensão de visitas pode produzir é uma tensão muito forte, que deverá aumentar na medida que muita gente estiver sendo infectada e houver mortes. “Nós teremos ainda centenas de rebeliões ao mesmo tempo, com fugas de presos. Uma coisa complicada”, avalia.
De acordo com Job Neto, do mesmo jeito que outras doenças, como o sarampo, ou a gripe todos os anos, o coronavírus também vai entrar. E com todos os agravantes que colocaram praticamente o mundo inteiro de quarentena, inclusive o Brasil, que tem 904 casos confirmados e 11 mortes.
Além disso, a população carcerária está inserida no grupo de risco, assim como idosos, diabéticos, hipertensos, portadores de insuficiência renal crônica, de doença respiratória crônica e cardiovascular.
“Levando em consideração que muitos desses presos têm uma nutrição ruim, são ou foram usuários de drogas, uma porcentagem bastante significativa está infectada pelo HIV e pela tuberculose – portanto, são pneumopatas – é previsível que tenhamos número de infectados superior ao da população em geral e muito mais rapidamente, já para as duas ou três próximas semanas. É também grande o número de presos que vai precisar de UTI por ter doença respiratória crônica e que vai morrer por conta da pandemia”, avalia o médico.
Resultado pior
Segundo ele, como não há no conjunto do sistema prisional a porta de entrada do SUS, que são as unidades básicas de saúde, na prisão não vai ser possível fazer o diagnóstico precoce da insuficiência respiratória. “E dependendo de qual for a prisão, de qual estado for, e de qual horário até, e se não houver escolta, essa pessoa doente dificilmente poderá ser removida e dificilmente conseguirá uma vaga de UTI”, diz.
“É previsível que nós tenhamos um resultado pior para as pessoas privadas de liberdade, que somam mais de meio milhão, que se encontram espalhadas em centenas de municípios, em condições muito insalubres, em celas superlotadas. Teremos mortalidade mais alta. Infelizmente, para o padrão nosso de funcionamento social, a questão ética, de moralidade média, isso não está sendo visto como problema. E os esforços do Ministério da Saúde e do Ministério da Justiça ou do Poder Judiciário não estão indo na direção de proteger as pessoas que estão sob sua custódia”.
Falta água
Conselheiro do Cendepe-SP, o advogado especializado em Direitos Humanos Ariel de Castro Alves foi assessor da CPI do Sistema Prisional da Assembleia Legislativa de São Paulo de 2001 a 2003. Ele conta que além da superlotação, os estabelecimentos têm muita sujeira, lixo acumulado, vasos sanitários entupidos e ainda enfrentam falta de água. Não tem produtos de limpeza , como desinfetantes e água sanitária, exceto quando familiares levam. Não é álcool em gel que vai ter.
Ariel defende a suspensão de visitas como medida preventiva. Mas não apenas. “Deve-se priorizar a proteção de idosos, gestantes e pessoas com doenças crônicas, conforme as recomendações das autoridades médicas”, defende.
Na falta das visitas, defende mais diálogo entre as autoridades do sistema prisional com os presos e seus familiares. “São necessárias novas formas de comunicação que substituam as visitas, como telefonemas dos presos aos familiares e mais celeridade na entrega de cartas”.
Ariel defende também reforço no atendimento médico nos presídios, com melhoria na estruturação de enfermarias e ambulatórios, e presença de médicos. Nos casos suspeitos de gripe e doenças respiratórias, e principalmente de coronavírus, atendimento ágil, prioritário e diferenciado aos idosos do sistema prisional.
“Já que as audiências estão suspensas nos fóruns, os juízes, promotores, funcionários das varas criminais e defensores deveriam fazer mutirões visando à liberação de presos provisórios, por crimes de menor gravidade, dos presos doentes, idosos, mulheres grávidas e com filhos recém-nascidos e crianças, também com a verificação dos casos de presos com penas vencidas, transferências de presos condenados e com direito ao semi-aberto para estabelecimentos adequados, ou que sejam colocados em liberdade, entre outras medidas visando à saúde dos presos e da população em geral e também objetivando evitar motins”, destaca.
Para o advogado, os juízes podem aproveitar que o atendimento dos fóruns, prazos e audiências foram suspensos, para avaliar esses processos. “A área de saúde do sistema prisional é extremamente precária. Raramente vão médicos aos presídios. Os atendimentos nas enfermarias são limitados. Já existem muitos presos com várias doenças de pele e pulmonares sem tratamento”.