“Bixistranha, loka preta da favela
Quando ela tá passando todos riem da cara dela
Mas, se liga macho, presta muita atenção
Senta e observa a sua destruição”
(Bixa Preta – Linn da Quebrada)
Depois de vários dias triste em casa, autoestima baixa por opressão estética (quem é negra, gorda, bixa e afeminada sabe), decidi me vestir, colocar um look babadeiro.
Uma camisa social laranja amarrada acima do umbigo e uma calça pantacourt azul (meu amigo me descreveu como um Aladim). Fui vestido assim, para frente de casa (moro na periferia de Porto Velho – RO) conversar com um amigo (gay branco), uma amiga (bissexual negra) e outra amiga (heterossexual branca).
Enquanto colocávamos as fofocas em dias, dois homens passaram em uma moto, e ficaram me encarando, viraram a esquina e o da garupa seguiu me encarando, eu me mantive firme, um pouco receoso, porém mantive o olhar fito nele.
Após uns 6 metros ou mais de distância, o da garupa gritou “ESSA COCA É FANTA”, eu imediatamente respondi que essa “ESSA COCA É FANTA SIM, E, É VIADA”.
O cenário e os discursos me trouxeram algumas reflexões que sinto necessidade de partilhar.
Primeiro, na maioria das vezes só uma bixa negra afeminada percebe as violências que sofre, os atravessamentos que percorre como uma bala direta ao seu corpo transgressor. Apesar da existência de outras pessoas LGBTs no espaço e de pessoas negras, não é rara as vezes em que as viadas negras são violentadas e as pessoas ao seu redor não percebem, pois estar atenta é uma necessidade fundamental de vida para uma bixa negra afeminada e periférica. As violências que percorrem o seu corpo são inúmeras. Para andar com essas transgressoras, e ser antirracista e anti-bixofóbico é preciso estar acordada, no sentido de se propor a estar a todo tempo atento/a/e as agressões que esses indivíduos estão postos. Afinal, o corpo da bixa nasceu pra ser excomungado, visto que representa perigo à heteronorma.
Segundo, a necessidade da masculinidade hegemônica (CONELL, 1995 e 2016) de desvalidar as masculinidades subalternizadas/dissidentes (O´DONNEL E SHARP, 2002; SILVA JUNIOR E BRITO, 2018), a frase “essa coca é fanta”, nada mais é que uma tentativa de enunciar que, esse corpo dito socialmente como masculino, na verdade não é. Que a forma deste indivíduo performar sua masculinidade, não é autentica. Que o rótulo não corresponde ao produto. É a necessidade da hegemonia de manter-se em seu status quo de vedar qualquer proximidade do masculino ao feminino. Assumir, que “essa coca é fanta sim,” é justamente demarcar a possibilidade de compatibilização entre o corpo masculino e o ato de ser masculino, com a performatividade dita com feminina. É afirmar que a embalagem e o produto podem socialmente não estar em conivência, todavia se mantém sendo válida. Assumir a viadagem como uma das formas de ser masculino é hiper potente, é afrontar o hegemônico, e o dito “correto”, demonstrando que ele não é a única forma de ser homem. E as violências da masculinidade patriarcal e tóxica, nada mais são que uma tentativa de contenção da possibilidade de masculinidades marginais, viadas e transgressoras, de masculinidades “fantas”.
Terceiro, consegui notar ainda, o quanto a masculinidade hegemônica é covarde e amedrontada, já que, a maioria das agressões contra masculinidades viadas, são feitas justamente em momentos em que as pessoas vitimizadas não possuem a possibilidade de reação ou defesa. Minha violência foi verbal, mais de 3 minutos próximo a mim me encarando para tentar demarcar que meu corpo transgressor não deveria estar daquela forma, quando não deu certo, já distante para não possibilitar uma reação direta, o grito ecoa “essa coca é fanta”, um nítido ato de covardia, a explicitação da fragilidade da masculinidade hegemônica. Outros relatos de conhecidos que já sofreram também violências (inclusive físicas), demonstram justamente isso, que os “machos” violadores, sempre aguardam a possibilidade de mínima reação do oprimido.
Por fim, explícito que a intenção desse texto não é fomentar a reação as violências, pois acredito que bixa negra viva, é o maior ato de transgressão e só nós sabemos o quão (in)segura estamos. Mas sim, trazer a reflexão da necessidade de atenção de nossos/as/es amigos/a/e e aliados/a/e, assim como, de quão potente e revolucionários estão sendo nossos corpos viados nas ruas, nas esquinas, ladeiras e vielas e que talvez, reivindicar cada vez mais o enunciado performativo do masculino, “desmoralizando” a noção correta de homem, seja um dos caminhos possíveis para nossa libertação das regras performáticas sociais.
** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE.