Estamos prontas: os movimentos de mulheres negras passam da resistência ao poder!

Movimento Mulheres Negras Decidem e Instituto Marielle Franco atuam na construção política de pessoas negras

FONTEFolha de São Paulo, por Tainah Pereira e Anielle Franco
Escadaria da rua Cristiano Viana zona oeste de São Paulo, amanheceu com lambe-lambe em homenagem à vereadora Marielle Franco, morta a tiros no Rio (Foto: Danilo Verpa/Folhapress)

Os movimentos de mulheres negras passam da resistência ao poder. Desde 2020, o Instituto Marielle Franco e o movimento Mulheres Negras Decidem trabalham em parceria para dar visibilidade ao trabalho e construção política de pessoas negras, em especial, mulheres negras que desejam disputar ou já ocupam espaços políticos.

Em março de 2018, após o feminicídio político da vereadora Marielle Franco, cresceu a preocupação com a segurança e proteção de mulheres negras na política que são identificadas como defensoras de direitos humanos, e alinhadas a uma agenda progressista, antirracista, antilgbtfóbica e antimachista como a ex-vereadora.

Já são quatro anos de luta das famílias de Marielle Franco e Anderson Gomes pela elucidação desse crime bárbaro. Quem mandou matar Marielle? E por qual razão? São perguntas fundamentais para que seja feita justiça em memória daquela que, além de vereadora, era mãe, irmã, filha e amiga querida por muitas pessoas. Por isso, estamos prontas! O movimento de mulheres negras passam da resistência ao poder!

Embora tenha se tornado prática corrente nas disputas eleitorais nos últimos anos no Brasil, a violência política de gênero e raça está longe de ser um fenômeno restrito ao nosso país. Em viagem recente pela Colômbia e Chile, nos deparamos com muitos relatos de ameaças, ataques, situações de assédios (virtuais, físicos, dentro dos espaços institucionais) e, lamentavelmente, de assassinatos de mulheres chilenas e colombianas que tão somente exerciam seu direito constitucional de se manifestar politicamente.

Em alguns casos, como o de Francia Márquez, candidata à Presidência da Colômbia pelo Pacto Histórico, as tentativas de silenciamento e interdição de sua atuação em defesa da causa ambiental, das populações originárias e da comunidade afrocolombiana deram a ela projeção internacional. Márquez ganhou o prêmio Goldman de Meio Ambiente, em 2018, e a partir de então lançou-se como um quadro político. Sua campanha congrega um conjunto de pautas das chamadas “maiorias empobrecidas” na Colômbia, sob um lema que parece resumir os anseios de boa parte da população (de lá e de muitas outras partes do mundo): “hasta que la dignidad se haga costumbre” ou “até que a dignidade se torne um hábito, em tradução livre.

Os discursos e toda a comunicação da campanha de Francia são muito inspiradores. Ao mesmo tempo em que nos lembram quão absurda é a situação de grande parcela da população que vive sem acesso a direitos básicos como saneamento e habitação, suas palavras são capazes de produzir esperança. Defendendo um projeto político de paz e vida em abundância, com saúde, segurança alimentar, sem violência e com liberdade para organizar-se politicamente em defesa das mais variadas causas, Francia Márquez apresenta um projeto emancipador para mulheres, povos originários, negros e negras, pessoas LGBTQIA+, o que resultará em uma sociedade mais equitativa e justa para todos, todas e todes.

Assim também se posicionam muitos grupos feministas que ajudaram Gabriel Boric a trilhar seu caminho até a presidência do Chile. Foram os votos das mulheres que decidiram a eleição em favor de Boric contra o candidato de extrema direita José Antonio Kast. Agora, essas feministas participam do primeiro escalão do governo, ocupando Ministérios de suma importância como os da Justiça, da Mulher e das Relações Exteriores.

No caso chileno, o que se percebe é uma transversalidade da pauta feminista em todos os eixos do futuro governo Boric. Um giro de 360 graus em comparação com a visão elitista e patriarcal que marcou a era Piñera, quando irromperam os grandes protestos de 2019. Jovens, mulheres, homens e mesmo idosos foram às ruas gritar contra a precarização da vida: dívidas estudantis impossíveis de pagar, privatização da água e arrocho das pensões e aposentadorias, que fizeram muitos idosos de 70, 80, 90 anos terem de voltar ao trabalho informal para ter algum dinheiro para sobreviver.

Todo o cenário de crise social descrito acima tem evidentes paralelos com a realidade brasileira. O que nos leva a refletir sobre quais saídas podemos organizar por aqui. A aposta do Mulheres Negras Decidem e do Instituto Marielle Franco para 2022 é o projeto Estamos Prontas: uma iniciativa de fortalecimento de candidaturas de mulheres negras, lideranças coletivas, cuja agenda programática compreenda o antirracismo, o enfrentamento da lgbtfobia e o aprofundamento da democracia por meio da ampliação da participação popular e diversa na política brasileira.

Serão apoiadas 27 mulheres negras, candidatas ao Legislativo estadual, uma por unidade federativa. Elas terão direito a uma jornada formativa sobre tecnologias de mobilização, comunicação e articulação em territórios, combinadas com o desenvolvimento de habilidades específicas para construção de suas campanhas.

A viagem da comitiva do movimento negro brasileiro à Colômbia e Chile demonstrou que a radical imaginação política das mulheres negras afrolatinas se conecta com uma agenda de futuro para toda a região. Pautada na vida, na defesa da terra e território, da cultura e no direito de existir e viver com dignidade. Do norte ao sul da região vemos trajetórias inspiradoras capazes de mover as estruturas coloniais da América Latina para um futuro de libertação para todo o nosso povo.

Estamos prontas: o movimento de mulheres negras passa da resistência ao poder no Brasil, na Colômbia, no Chile e no mundo todo.

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