Evento Diálogos Insubmissos de Mulheres Negras leva autora Conceição Evaristo à Flipelô

Escritora, poetisa, romancista e ensaísta, Conceição Evaristo, 70 anos, é uma das atrações mais esperadas da primeira edição da Festa Literária Internacional do Pelourinho (Flipelô), em Salvador. Ela é uma das convidadas do evento Diálogos Insubmissos de Mulheres Negras, que acontece nesta sexta-feira (11), às 20h15, no Teatro Sesc-Senac Pelourinho, dentro da programação da Flipelô.

no G1

Evaristo é considerada uma das principais escritoras do país e referência para milhares de autoras e autores negras e negros no mundo. Em julho ela participou da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que levantou discussões por ter batido o recorde de autores negros, 30% da mesa.

Para ela, a presença cada vez mais forte de negros nos eventos literários pode ser atribuída à força do coletivo. “Várias atividades foram feitas para chamar a atenção para a nossa ausência. Outras autoras notaram também para o fato de que o público mudou. As feiras não costumavam ter negros na plateia porque as pessoas não se sentiam representadas”, avalia.

Para a escritora, estar na primeira edição da Flipelô é motivo de orgulho. “O fato de eu ser convidada para participar desse evento é ótimo para nós mulheres afrobrasileiras, porque estamos ocupando uma área considerada nobre pela sociedade, que é a literatura”, disse.

A mesa que ela vai participar foi inspirada em um dos seus livros, “Insubmissas Lágrimas de Mulheres”. O livro foi debatido durante a programação do Julho das Pretas, que teve a escritora afroamericana Angela Davis como uma das atrações.

Sobre sentir que tem um papel de função social para a construção de referência para outras mulheres, ela é enfática: “A confiança que as mulheres negras me dão, e a representatividade que me conferem é o que me dá segurança para falar com propriedade”.

‘Escrevivência’

Neologismo criado por ela, a palavra escrevivência surgiu a partir da necessidade de ter um termo que descrevesse as histórias que se viveu.

“É escrever se vendo. Eu digo que é um texto contaminado com a vivência. Eu escrevo dentro de uma percepção do coletivo, compromissada com a vivência, sempre dentro de uma percepção do coletivo”, explicou.

Com relação a neologismos, Evaristo cita outra escritora afrobrasileira, a Carolina de Jesus. Assim como Conceição Evaristo, Carolina nasceu em Minas Gerais. Ela morreu aos 62 anos, em 1977. As obras de Carolina ficaram conhecidas por conta de sua forma peculiar de escrever.

No entanto, as palavras criadas por Carolina, eram encaradas pela sociedade, tanto na época de suas publicações quanto agora, como erros de português. Em contraponto, Evaristo cita outro escritor mineiro, o Guimarães Rosa.

Guimarães e Carolina viveram na mesma época. Homem branco, ele morreu aos 59 anos e teve destaque justamente pela criação de neologismos em seus textos.

“Se para a sociedade a pessoa tem domínio da língua e leva uma palavra de sua experiência para o texto, aquilo vira estética. Diferente do caso de Carolina, que as pessoas simplesmente a julgavam incapaz de escrever e interpretavam suas palavras como erros de português”, avalia.

Evaristo aponta ainda que muitas das palavras usadas por Guimarães Rosa são parte de uma oralidade de Minas Gerais e não necessariamente palavras que foram criadas para serem atribuídas a um signo.

A partir disso, ela mostra a necessidade de escrever do jeito que se fala. “Comecei procurando construir um discurso literário próximo do discurso oral, usando metáforas do coletivo. Em nenhum momento esqueço que estou trabalhando com a arte das palavras”, disse

Racismo x Machismo

Centro dos atuais debates na internet, racismo e machismo têm origem histórica. Em uma balança entre as duas coisas, Evaristo é enfática ao dizer que não dividiria os dois, porque são parte de um mesmo ciclo.

“A luta das mulheres brancas começou para buscar autonomia, por serem sujeitas aos comandos dos homens brancos. A primeira luta das mulheres negras não foi com os negros, mas sim com o sistema patriarcal branco, que inclusive é mantido por mulheres brancas até hoje, nas relações de patroa e empregada”, ponderou.

As publicações da escritora costumam trazer reflexões de raça e gênero na sociedade. Nascida em uma favela na cidade de Belo Horizonte, hoje a escritora é considerada um exemplo de pessoa que ascendeu socialmente. Ela faz questão de destacar que, por causa da posição em que se encontra hoje, ela é a exceção da regra.

“Sem falsa modéstia, as exceções são para serem celebradas, mas elas são perigosas. Em 2015, quando eu estava no Salão do Livro, chamei a atenção por ser uma escritora negra, porque não sou a regra. Sabemos que muitos de nós ficam pelo caminho, pois são tantos os empecilhos. O que não é correto é o sistema usar de uma história pessoal para apontar os que não conseguem. As exceções são boas para o sistema”.

No momento de discussões de militância na qual a internet se encontra, e a cobrança de posicionamento de pessoas, especialmente de pessoas públicas, Evaristo é precisa ao defender o direito de que as pessoas se posicionem da forma como suportem.

“As pessoas têm o direito de se posicionar como aguentam. Umas têm o discurso veemente e outras não. O que me incomoda não é o silêncio, mas sim as pessoas que tentam destruir nossos discursos. Me incomoda o negro que acha nunca ter sofrido racismo, usar de sua vivência pessoal para desmerecer a vivência coletiva”, exemplificou a escritora.

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