Fátima Oliveira: Hercília Levy, uma trajetória feminista de múltiplas faces

Art. 1º – Fica decretado/ que a partir de agora/vale a utopia/Valem sonhos./ Dos possíveis e os impossíveis./ E que eles se façam verdade/e se desdobrem em luz/ no escuro de nossas incertezas” (“Estatutos da Mulher”, de Jovita Levy, presidenta do Conselho Estadual da Mulher de Minas Gerais, encenado sob a direção de Hercília Levy).

por Fátima Oliveira

Acima de tudo, feminista é o que foi Hercília Levy, 79, amiga que enfrentou bravamente um câncer desde 2007e faleceu em 19 de novembro. Dona de muitas faces – artista plástica, diretora de teatro, atriz, inventora de manifestações artísticas – das artes plásticas, com aproveitamento de retalhos no artesanato utilitário, telas de “patchwork” caipira, à criação de companhias teatrais, como o Grupo Vênus e o TIM (Teatro Itinerante da Mulher). “Meu trabalho tem elementos de uma conexão de linguagens”, declarou.

De formação professora, pianista, cursou direção de cinema; em 1981, fundou, em Uberaba, o Centro de Integração da Mulher; em Belo Horizonte, presidiu o MPM (Movimento Popular da Mulher) por três gestões (1996-2009); e é mãe de uma prole de seis: Alexei, Marcel, Israel, Otto Alexandre, Igor e Daniela.

Sobre a filharada, com a palavra Olto Mariano: “Eu tinha dois filhos do meu primeiro casamento que ficaram comigo: Alexei, de 8 anos, e Marcel, de 6 anos. Quando trabalhei certo tempo em Belo Horizonte, mantinha-os em internato, pois meu trabalho exigia que eu viajasse muito. Ao me casar, eles se juntaram a nós (…). Eles quebraram duas TVs, quatro camas e muitas outras coisas. Hercília nunca me disse nada. Eu não tomava conhecimento. Um dia Marcel pegou uma bijuteria caríssima e disse que ia quebrá-la. Ela simplesmente disse: ‘Pode quebrar’. Ele desistiu… Hoje, eles telefonam para casa e perguntam: ‘Manhê está em casa?’. E falam com ela por horas. Comigo, não. Eu reclamo, protesto…” (“Hercília Levy – Exemplo de Mulher”, Olto Mariano, 2012).

Sob a batuta de Hercília, mulheres analfabetas viraram atrizes exuberantes em “Morte e Vida Severina”, de João Cabralde Mello Neto, “Gota d”Água”, de Chico Buarque e Paulo Pontes, e “A Casa de Bernarda Alba”, de Federico García Lorca, como algumas das prostitutas pioneiras do Grupo Vênus – ideia materializada por ela e por Beth Seixas, do Musa (Mulher e Saúde) e da Pastoral da Mulher Marginalizada.

Parecia silenciosa, um ar quase zen, mas era contundentemente direta: “Tem muita coisa que deve ser dita, tem muita coisa que deve vir à tona e não vem. Eu gostaria que minha arte fosse um pouco a expressão dessas pessoas que não têm voz. A arte pode abrir mundos; pode, no mínimo, dar prazer. Todos têm um potencial e devem explorá-lo; o que não quer dizer que todos serão artistas. Um trabalho feminista? É… feminista também. Mas a minha pintura é uma soma de expressões” (“Hercília Levy – Exemplo de Mulher”, Olto Mariano, 2012).

Sobre o papel da arte e do artista, disse: “Nem só de pão vive o homem. Se ao artista é dada a possibilidade de influenciar e interferir para mudanças, ele não pode ser individualista. Tem que pensar, também, no crescimento coletivo” (“Hercília Levy -Exemplo de Mulher”, Olto Mariano, 2012).

Tenho uma pintura soberbamente bela de Hercília Levy: um menino negro, de expressivos olhos de jabuticaba, uma imagem tão viva que, um policial que recentemente foi à minha casa atender a um chamado, pois havia um estranho em meu quintal-jardim no começo da noite, falou: “Tomei o maior susto com aquela pintura, pois na penumbra tive a impressão que era uma pessoa! Parecia viva”.

 

 

Fonte: Viomundo 

 

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