“Faz diferença ver corpo negro na dança”, diz bailarina do Balé da Cidade

“Se não tivesse o Ismael ali, à frente, talvez não tivesse feito nem a audição. Mas, hoje, eu sinto que aquele também é o meu lugar.” Se reconhecer em Ismael Ivo, o primeiro diretor negro na história do Balé da Cidade de São Paulo, deu outro tipo de perspectiva para Grécia Catarina.

De Mandê Agência, no Universa

Grécia Catarina Santos (Foto: Don Rayment/Reprodução/Facebook)

Em janeiro de 2018, já de malas quase prontas para tentar a carreira como bailarina na Europa, ela decidiu participar do processo de seleção e, dentre 200 concorrentes, foi aprovada para uma das duas vagas disponíveis para ingressar naquele ano.

Aos 26, a mineira se tornou a única bailarina negra na maior companhia de dança contemporânea do país – o que, à primeira vista, pode parecer um feito a se comemorar, mas só revela mais uma história de exceção. “Dentro de todos os espaços em que eu já dancei, sempre fui a única negra.”

Nascida e criada em Belo Horizonte, Grécia Catarina deu seus primeiros passos na dança ainda criança, aos cinco anos, nas aulas de balé clássico de uma escola que oferecia cursos em parceria com o Sesc e mensalidades mais baratas. Mas, dois anos depois, a incompatibilidade de horários fez com que ela abandonasse a dança. Uma pausa que durou cinco anos.

“Eu sempre gostei de me movimentar. Então, nesse intervalo de tempo, eu jogava vôlei e fazia teatro. Mas eu ainda tinha essas lembranças da infância e bateu uma vontade enorme de dançar de novo. Pedi para o meu pai e ele foi procurar uma escola. Eu só sabia que gostava de dançar, mas não pensei mais em voltar para o balé, achava chato”, conta.

“A arte me salvou”

Aos 16, as aulas de balé clássico e dança contemporânea a cativaram novamente. “Mas ainda não havia o desejo de ser uma profissional. Eu pensava que seria advogada.”

Mas, além do amor pela dança, o que também aproximou Grécia da arte foi a doença da mãe. Em 2005, depois que a irmã mais nova nasceu, sua mãe foi diagnosticada com depressão pós-parto. O quadro, no entanto, se agravou. Foram dez anos de muitas crises, tratamentos e diagnósticos que variavam entre bipolaridade e esquizofrenia.

“Até hoje não sei exatamente o que ela tinha. Mas foi um período de muita turbulência na minha vida e uma sorte ter voltado a dançar justamente quando tudo começou. Com o nascimento da minha irmã eu assumi responsabilidades. Por conta da doença, ela foi aposentada por invalidez, nossa renda diminuiu e o meu pai teve que começar a trabalhar muito mais”, conta.

Grécia criou na arte seu mundo paralelo, onde conseguia liberar minhas emoções e descobrir potências. “Como eu não tive muito a presença da minha mãe em uma época em que eu estava desenvolvendo a minha personalidade, me descobrindo como mulher, foi na arte onde eu me senti segura, onde buscava referências nas mulheres que estavam perto de mim. A arte me salvou.”

A questão é que quando o assunto é balé, o desenvolvimento da carreira começa cedo. Aos 17, completamente envolvida pelos movimentos mais livres e autênticos da dança contemporânea, ser uma bailarina se tornou seu foco. “Eu sabia que já tinha começado atrasada e precisava recuperar esse tempo. Todo mundo que dança comigo na companhia começou no balé com 5, 8 anos. Mesmo assim, todo mundo me falava que eu estava bem, que tinha talento”, diz.

Depois que se formou na escola livre, Grécia começou sua carreira no grupo de dança Primeiro Ato, de Belo Horizonte. De lá, foi para o Balett Jovem Minas Gerais, companhia onde teve seus primeiros contatos com coreógrafos estrangeiros e estilos de dança diferentes e tomou uma decisão: faria parte do Balé da Cidade de São Paulo ou tentaria a carreira na dança fora do Brasil.

As raras seleções para fazer parte do corpo de dança da companhia paulista, entretanto, a desanimavam. “Eles só costumam abrir audições quando alguém sai, o que dificilmente acontece. Comecei a juntar dinheiro para ir para a Dinamarca com o cachê dos espetáculos e o salário de monitora na UFMG. Se nada desse certo na Europa, meu plano era desistir da dança, voltar para o Brasil e fazer faculdade de direito.”

Há dois anos, a Fundação Theatro Municipal de São Paulo abriu edital. Apesar de toda a trajetória, a bailarina ainda tinha receio de não se sair bem na seleção, mas sob a direção de Ismael Ivo percebeu a companhia com um rosto diferente, encarou o medo e se inscreveu na pré-seleção.

“Pensei: o Ismael Ivo é o diretor agora, ele também é negro, então ele vai olhar meu material de uma outra maneira. Há muitos anos não havia uma mulher negra no grupo. Eu não via a possibilidade de ser necessária nesse lugar. Mas com o Ismael pensei que teria mais chances.”

Deu certo. O teste, divido em duas etapas, teve uma pré-seleção eliminatória e dois exaustivos de dias audição presencial. Entre 200 candidatas, 15 eram negras. Grécia apresentou suas técnicas de dança clássica e dança contemporânea, trechos de coreografias do repertório do Balé da Cidade de São Paulo e improvisação. Foi aprovada.

Em um ano e meio de companhia, sente na pele o que é servir de espelho para outras pessoas. “Faz diferença ver o meu black, faz diferença ver um corpo negro na dança. Não só para mim, mas para o público negro também. Mesmo quem não dança também se vê reconhecido. No fim dos espetáculos as pessoas esperando para conversar, tirar fotos, dizer o quanto é importante me ver naquele lugar. Representatividade importa, sim.”

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