Festival mostra que rap não ficou parado no tempo

Por: Pedro Alexandre Sanches

 

Pedro Paulo Soares Pereira, o Mano Brown, tem 39 anos (nasceu em 22 de abril, o dia do descobrimento do Brasil) e é o principal nome do hip-hop brasileiro. Leandro Roque de Oliveira, o Emicida, tem 24 anos e é uma das vozes mais eloquentes do rap nacional destes anos 2000. Neste fim-de-semana, os dois estiveram juntos e separados em São Paulo, na programação do festival Gerações Hip-Hop, do Sesc Pompeia. E, embora não tenham se cruzado no palco, ofereceram juntos uma oportunidade valiosa para entender a quantos e quais passos vem caminhando um dos mais importantes movimentos musicais de massa do país nas últimas décadas.

 

Com plateia lotada, o evento começou na sexta-feira, num palco polivalente que incluiu novos como o grupo Rosana Bronks (apadrinhado por Mano Brown) e veteranos como Brown, Ice Blue (dos Racionais), Helião (do grupo RZO), DJ Cia, Don Pixote e outros. Hábito arraigado do rap, 14 pessoas se acomodavam no palco do Rosana Bronks, entre rappers e seus chapas. Na apresentação coletiva conduzida por Brown, o palco foi se abarrotando conforme subiam 19, 23, 34 e mais, e mais, e mais participantes.

 

Essa tem sido uma mensagem central do rap nacional e uma das muitas razões a explicar sua imensa força: para o movimento criado a partir dos paulistanos marginalizados, a plateia é tão importante quanto o palco, quem está no alto é como quem está embaixo. Evidentemente Brown não desperdiçou a deixa ao subir ao palco classe média do Sesc, e já entrou proclamando “2010, os pretos no poder!”, variável da máxima “todo poder para o povo preto”.

 

No sábado, a mistura foi de gerações e geografias. Emicida e De Leve representaram a jovem guarda, enquanto o pioneiro Thaíde personificava a “velha escola”. Emicida e Thaíde cantaram por São Paulo, De Leve trouxe o rap do Rio de Janeiro para a fria noite paulistana. Só De Leve e mais dois subiram ao palco em sua apresentação, num retrato indireto da desconfiança mútua (e lamentável) entre o hip-hop duro de São Paulo e o rap funkeado do Rio.

 

Emicida trouxe uma grande novidade em termos musicais: se apresentou ao lado do Projeto Nave, uma banda com sopros, guitarra, baixo, teclados, e de um vocalista-cantor, Rael da Rima. Não subiram ao palco mais que dez pessoas, mas Emicida reiterou repetidas vezes que o show ali não era feito por ele, mas sim por cada um dos espectadores espalhados pela (também lotada) plateia. “Façam barulho, batam palmas para vocês”, sintetizou ao final, à sua maneira, a tradição aprendida com a geração Racionais.

 

Mano Brown apresentou-se em plena forma, amistoso e sorridente como ele, os Racionais e o rap nacional não eram anos atrás. Emicida é um rapaz de semblante leve, não exatamente sorridente, mas sempre terno e cativante. Em seus raps, conversa sobre as pequenas coisas boas do dia-a-dia, que costumam passar batidas, e pede atenção especial a elas. Honrando a tradição de contestação, diz que “nasci preto num país do Terceiro Mundo”, e que “os pretos precisam sair do vermelho”, ao mesmo tempo que propaga versos afirmativos como “pensar”, “fazer”, “tentar”, “viver”. Abandona a crônica da violência e vez por outra fala de amor, dizendo à namorada que com ela “cada beijo é o primeiro”.

 

Na apresentação do Rosana Bronks (assim batizado pela origem no Jardim Rosana), três mulheres compartilharam o palco com os rapazes, e uma delas até tomou a frente da cena durante um rap. O DJ falhou bem nesse momento, a música teve de reiniciar do começo. “Deixe eu te levar/ deixe-se levar/ vem dançar/ solte o corpo”, proclamou a moça (qual é o nome dela?, ninguém falou) quando pôde se expressar, num instante de notável quebra de paradigmas rappers.

 

emicida_musica_313_469

Quando os Racionais começaram a se firmar (e Emicida ainda usava fraldas), o rap não podia, não queria e/ou não estava aparelhado para sorrir, falar de amor, tratar as mulheres de modo gentil e igualitário, dançar ou encarar o Brasil de modo positivo. Identificar-se com a música brasileira tampouco estava no horizonte dos desbravadores do rap. Hoje, o Rosana Bronks começa citando “Santa Clara Clareou”, de Jorge Ben, De Leve incorpora a brasilidade do funk carioca, Emicida gosta de pagode e canta Dorival Caymmi (mas não no show de sábado) e o próprio Brown se permite citar sem reservas Tom Jobim, Noel Rosa, Roberto Carlos e Cassiano.

 

Ao final, o bonde do Brown ensaiou um “Podes Crer, Amizade”, de Toni Tornado, e ele em pessoa arremedou o ídolo Jorge Ben: “Tem que danchar danchando!”. Por sinal, o show terminou em pique de rap-funk (funk antigo, não carioca) e chamados do tipo “dance, dance”. Se o rap conforme guiado por Brown não era assim no início, hoje não demonstra a menor intenção de ficar parado no tempo. Vestido em camisa verde-amarela e empenhado em se comunicar bem e diretamente com seu público, Emicida rapidamente se firma como herdeiro de causar orgulho a Mano Brown.

 

Uma nota curiosa: na plateia de sexta, a lei antifumo pareceu subitamente suspensa. Muita gente fumava, e os seguranças não demonstravam exercer repressão. No sábado, tudo voltou ao lugar habitual. Eram talvez sinais indiretos da autoridade de Brown, algo que não se adquire com facilidade e que faz dele um dos homens mais importantes da moderna música brasileira. Emicida ainda tem longo caminho a percorrer, mas sua presença de palco, sua vontade de se comunicar, suas letras e suas quase-melodias deixam evidente que ele já é das figuras mais relevantes entre os garotos da nova música brasileira.

 

 

Fonte: Musica.ig

+ sobre o tema

Senador Paulo Paim apresenta PL de enfrentamento ao racismo na educação 

Prever meios de enfrentamento ao racismo na formação e...

Provas do Enem 2025 serão nos dias 9 e 16 de novembro

O ministro da Educação, Camilo Santana, anunciou nesta sexta-feira (9) que...

Campanha arrecada doações para bolsas destinadas a estudantes negros

A Fundação Tide Setubal, por meio da Plataforma Alas,...

para lembrar

Bilionário promete pagar dívida de formandos negros em universidade nos EUA

Empresário também negro, com uma fortuna estimada em US$...

Inscrições para o Enem 2023 terminam na próxima sexta-feira

As inscrições para o Exame Nacional do Ensino Médio...

Temas raciais ganham fôlego nas universidades brasileiras

Pesquisadores apontam que volume de temas raciais dentro da...
spot_imgspot_img

Geledés anuncia nova etapa de projeto com foco em equidade racial na educação básica

Geledés e Fundo Malala renovaram a parceria para o desenvolvimento de nova edição do projeto “Defesa do direito à educação de meninas negras”, com foco...

Senador Paulo Paim apresenta PL de enfrentamento ao racismo na educação 

Prever meios de enfrentamento ao racismo na formação e no atendimento à cidadania é o foco do Projeto de Lei (PL) 1556/2025 proposto pelo...

Provas do Enem 2025 serão nos dias 9 e 16 de novembro

O ministro da Educação, Camilo Santana, anunciou nesta sexta-feira (9) que as provas do Enem 2025 serão realizadas nos dias 9 e 16 de novembro, dois domingos consecutivos. As...
-+=
Geledés Instituto da Mulher Negra
Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.