Força e luta da mulher negra

Santa-mariense Giane Vargas Escobar receberá prêmio internacional pelo trabalho à frente do Museu Treze de Maio

Liciane Brun

Ela é a primeira filha de Jorge e Jonbelina, um casal de negros que vieram de famílias de origem humilde de Santa Maria. Foi com eles que a santa-mariense Giane Vargas Escobar, 46 anos, viu e aprendeu histórias de superação da comunidade negra. Uma das precursoras da recuperação do Museu Treze de Maio, em Santa Maria, Giane tem um histórico de lutas em favor da população negra, principalmente no que diz respeito à reconstrução da história do museu (que completou 111 anos neste ano).

O Treze de Maio faz parte da história da pesquisadora pelo menos desde 2001, quando Giane retornou a Santa Maria depois de morar por seis anos em Porto Alegre. Ela voltou à cidade para fazer pós-graduação em Museologia, e, a partir dali, começou um vínculo maior com o museu, à época, um clube decadente.

_ A comunidade negra interessada entrou no prédio, e o que encontramos foram paredes imensamente escuras. Não havia luz, e inúmeros documentos do clube estavam submersos na água, que tomou conta da edificação pelos anos de abandono e falta de manutenção. A sensação era de felicidade, e ao mesmo tempo, vontade imensa de chorar pela situação que ali presenciávamos _ relembra.

A partir de seu envolvimento, Giane assumiu a diretoria técnica do Treze de Maio, ainda em 2003.  Hoje, a pesquisadora mora em Portugal, onde estuda doutorado em Estudos Culturais, pelas Universidades de Aveiro e Minho. Foi de lá que a recebeu uma das melhores notícias: sua premiação no International Museum Prize Winner 2014, prêmio do Museum Horizon, fundação internacional que tem o objetivo de promover a inovação nas estruturas museológicas.

O motivo: seu trabalho  junto ao museu, e a  “contribuição para o fortalecimento da identidade brasileira, destacando sua rica diversidade cultural e a memória das lutas sociais antes e desde a abolição”, como descrito na motivação do prêmio, em documento enviado a ela pelo Museum Horizon.

_ O Treze foi a instituição que me fortaleceu, que me legitimou como pesquisadora, alguém autorizada a ouvir histórias, cuidar e guardar memórias em vários suportes da informação. Essa instituição me instrumentalizou, deu-me a régua e o compasso para que eu pudesse escrever parte da história invisibilizada e a minha própria história _ diz.

Distância não é empecilho

Longe da cidade há três meses, mas sem deixar de acompanhar e dar suporte de longe, Giane defende que uma das principais lutas que o Museu Treze de Maio ainda tem pela frente, depois de ter conquistado legitimidade e credibilidade, é manter a sustentação do que já conseguiu até agora:

_ Para isso, é preciso chamar o poder público local para a responsabilidade que deveria ter com o patrimônio, auxiliando com afinco na manutenção e preservação.
A indicação do prêmio chegou como uma surpresa para a museóloga, que receberá a premiação no dia 25 de setembro, durante a Feira Internacional do Livro de Gotemburgo, na Suécia, cidade sede da fundação Museum Horizon.

_ Receber um reconhecimento externo e ser indicada por pessoas da Europa e do Brasil que trabalham na área de museologia social e comunitária há mais de 40 anos, e que jamais me falaram que haviam me indicado, foi uma grata surpresa. Sinto-me gratificada por termos escolhido o caminho certo. Só fiquei sabendo do prêmio no dia do resultado e fiquei simplesmente perplexa _ revela.

Para a pesquisadora, tudo é resultado dos esforços de lideranças negras que o museu construiu, e legitimou ao longo da trajetória pela preservação da memória.
_ Levo sempre comigo a bandeira do Treze, como agora na Suécia, um lugar que jamais pensei conhecer, e que destina o seu reconhecimento maior na área de museologia, voltando o seu olhar para a cidade de Santa Maria _ diz Giane.

GIANE POR GIANE

Força e luta da mulher negra
Força e luta da mulher negra
Um sonho

 

Ver a população negra nas Universidades, como alunos e como professores, em todas as áreas

 

Um medo

 

Parar de sonhar, pois são os sonhos e os anjos que me movem.  Como diz a canção do grupo sueco ABBA _ que escutava na minha adolescência e terei oportunidade de estar no lugar de origem deles _ I believe in angels_ parte da canção I Have a Dream

 

Uma vitória

 

Quando lançamos, em 2003, o Projeto do Museu Treze de Maio e também a primeira edição do livro infanto-juvenil com recorte racial negro, Os Problemas de Júnior, de autoria da escritora Maria Rita Py Dutra. Além disso, acabava de ser criada a primeira Coordenadoria Municipal do Negro em Santa Maria. E em 2008, o primeiro vestibular com reserva de vagas e cotas raciais para negros na UFSM. O Museu Treze de Maio participou ativamente de todos esses processos. Vitórias coletivas, construídas com articulações, garra e luta da população negra de Santa Maria

 

Um dia inesquecível

 

Recentemente, quando recebi a notícia do International museum Prize winner 2014,por meio de uma mensagem de Hugues de Varine, consultor internacional na área de museologia e do desenvolvimento, ex-diretor do ICOM, o Conselho Internacional de Museus

 

Uma inspiração

 

Gostaria de citar quatro mulheres negras me deram e me dão força para seguir com firmeza a minha caminhada. Muito do que sou hoje é por que tive na minha vida mulheres inspiradoras: Jonbelina, minha mãe, Celanira, minha sogra e amiga, Angelina (in memoriam), minha avó materna e Amoreti (in memoriam), minha tia

 

Fonte: Diário de Santa Maria

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