Gestores públicos, ONU e sociedade civil discutem em Recife violência contra juventude negra

Uma pessoa negra entre 15 e 19 anos tem hoje três vezes mais chance de ser assassinada do que uma pessoa branca na mesma faixa etária no país. Pesquisas recentes mostram que este fenômeno também se distribui de forma desigual pelos municípios brasileiros. Em 2015, 111 municípios — ou seja, 2% do total — responderam por metade dos homicídios.

no Nações Unidas

Foto- UNFPA Brasil:Thais Rodrigues

Os dados demonstram que o enfrentamento à violência no Brasil merece atenção de gestoras e gestores públicos. Pensando nisso, a ONU Brasil, em parceria com a Frente Nacional de Prefeitos e a Prefeitura de Recife, realizou esta semana na capital pernambucana o primeiro seminário “Vidas Negras: diálogos sobre ações governamentais de enfrentamento à violência contra as juventudes”.

Uma pessoa negra entre 15 e 19 anos tem hoje três vezes mais chance de ser assassinada do que uma pessoa branca na mesma faixa etária no país. Pesquisas recentes têm apontado que este fenômeno também se distribui de forma desigual pelos municípios brasileiros. Em 2015, 111 municípios — ou seja, 2% do total — responderam por metade dos homicídios do país.

Os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) demonstram que o enfrentamento à violência no Brasil merece atenção de gestoras e gestores públicos para uma ação efetiva e coordenada.

Pensando nisso, a ONU Brasil, em parceria com a Frente Nacional de Prefeitos e com a Prefeitura de Recife, realizou na quarta (21) e quinta-feira (22) o primeiro seminário “Vidas Negras: diálogos sobre ações governamentais de enfrentamento à violência contra as juventudes”. Mais de 60 pessoas, entre representantes de academia, da sociedade civil e gestoras e gestores públicos estiveram presentes na Universidade Católica de Pernambuco.

O seminário discutiu desafios e oportunidades no combate à violência letal contra a juventude negra no país, fruto da perversidade decorrente do racismo. Estiveram presentes gestores e gestoras de sete estados do país — Mato Grosso do Sul, Ceará, Pernambuco, São Paulo, Bahia, Distrito Federal e Paraíba —, inaugurando um fórum onde as variadas frentes puderam trocar informações sobre boas práticas, adaptando-as aos seus contextos locais.

Para a secretária do Desenvolvimento Social, Juventude, Política sobre Drogas e Direitos Humanos do Recife, Ana Rita Suassuna, a contribuição do seminário foi fazer com que os gestores despertassem para as pautas específicas da juventude negra. “A gente trabalha muitas questões de juventudes, mas a violência letal muitas vezes não entra nas nossas discussões. Então, esse seminário é fundamental para ampliar nossos horizontes”, disse a gestora.

Exposição de conceitos e dados

Foto – UNFPA Brasil:Thais Rodrigues

De cada 1 mil adolescentes brasileiros, quatro vão ser assassinados antes de completar 19 anos. Se nada for feito, serão 43 mil brasileiros, entre os 12 e os 18 anos, mortos de 2015 a 2021, três vezes mais negros do que brancos. Segundo a representante da ONU Mulheres, Nadine Gasman, esse contexto é um mote para observar o racismo no país, principal impeditivo para que a juventude negra não atinja seu pleno potencial.

“A pauta da violência letal contra a juventude negra deve ser trabalhada em todos os âmbitos, envolvendo as instâncias sociais para que, até 2030, a gente consiga atingir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e não deixar ninguém para trás”, disse a representante.

Foto – UNFPA Brasil:Thais Rodrigues

A violência letal está intimamente ligada ao racismo e, no Brasil, este fenômeno está associado à condição de classe, gênero e geração. Doutorando da Universidade de Brasília, Felipe Freitas afirmou que as políticas voltadas para o enfrentamento a violência letal contra jovens no Brasil tem esbarrado nos obstáculos impostos pelo racismo à garantia de direitos, emancipação e autonomia dos jovens negros.

Segundo ele, o racismo produz vantagens para os brancos e desvantagens para os negros, por isso, os papéis sociais estão fortemente estabelecidos, não sendo suficiente para resolver este problema combater aspectos singulares como a pobreza.

“As imagens que se criam no imaginário social já estão ‘racializadas’ e associam atributos raciais aos criminosos mais violentos. Esse contexto perverso coloca as pessoas negras em uma situação desumanizada que gera miséria, pobreza, desigualdade para a negritude, enquanto para as pessoas brancas gera bem viver”, afirmou o especialista.

Brasil e Colômbia

As mortes por causas externas têm se interiorizado no Brasil com forte expansão no Nordeste e grande penetração nas periferias das cidades. Entre os 20 municípios com mais de 100 mil habitantes mais violentos do Brasil, dez estão no Nordeste.

Foto – UNFPA Brasil:Thais Rodrigues

Para colaborar para o intercâmbio de boas práticas de superação da violência, a arquiteta e urbanista Isabel Basombrío compartilhou a experiência bem sucedida da redução da letalidade em Medellín. Conhecida popularmente como “o milagre de Medellín”, a ação de implementação de projetos urbanísticos integrados investiu em infraestrutura urbana para oferecer qualidade de vida e diminuir as desigualdades.

“Boa parte do sucesso que aconteceu em Medellín foi porque o governo, as organizações e a sociedade trabalharam de forma coordenada. Existiu também uma continuidade do projeto de um governo para o outro, e isso fez com que os resultados se multiplicassem”, relatou Basombrio.

A principal ação foi a interação entre as periferias e o centro por meio de serviços de transportes públicos eficazes. Além disso, meios de comunicação comunitários reverberaram as vozes das populações mais pobres. Praças e outras locais de convivência foram revitalizados. Também investiu-se em esportes e no diálogo com a população.

Essas ações transformaram a situação de conflitos armados, narcotráfico e miséria da capital colombiana. Em 1991, foram quase 6,7 mil mortos, quando a taxa de homicídios era de 381 mortos por 100 mil habitantes. Em 2017, mais de 20 anos após a implementação das políticas urbanísticas, a taxa caiu drasticamente para 26 mortos por 100 mil habitantes. Essa política deu base para diversos projetos no mundo todo, inclusive no Brasil.

Debate entre gestores e gestoras

Na quinta-feira (22), os gestores e gestoras foram divididos em grupos de discussão para a troca de experiências. Cada equipe elencou os obstáculos e boas práticas para o enfrentamento da violência contra a juventude negra.

Foto- UNFPA Brasil:Thais Rodrigues

Questões como dificuldade na obtenção de indicadores para a avaliação e criação de políticas públicas; invisibilidade da problemática; escassez de orçamento e a setorização do debate foram apontados como barreiras para a implementação de políticas públicas específicas.

Já as oportunidades apresentadas foram, entre outras, os bons espaços de convivência, os editais de protagonismo juvenil, a intersetorialidade das políticas, o diálogo com a juventude de base e a participação de meios de informação.

Tendo como base esses desafios e exemplos positivos, as prefeituras de Recife (PE), Caruaru (PE), Canoas (RS) e Novo Hamburgo (RS), apresentaram os casos de sucesso para conter e prevenir a violência contra a juventude. Ao final, foi redigida uma carta de compromisso dos municípios pelas vidas negras, assinada pelas instituições e gestores presentes.

O encontro aconteceu no contexto da Década Internacional de Afrodescendentes, liderada pelas Nações Unidas.

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