Gilberto Gil dá atestado de vida em ‘OK OK OK’, disco cercado pela família

Álbum mostra busca pela melhor rima e decisão de não fazer música simples

por Thales de Menezes no Folha de São Paulo

Há décadas que todo disco novo de Gilberto Gil é cercado de grande expectativa. Mas agora a ansiedade dos fãs era compreensivelmente maior.

Depois de atravessar um período de repetidas internações hospitalares, com problemas renais e cardíacos, gravar era mais do que ampliar seu cancioneiro já consagrado. Era um atestado de vida.

O álbum “OK OK OK” cumpre muito bem essa função. Produzido por Bem Gil, seu filho, traz a melhor safra de canções do compositor neste século. Toca em questões íntimas, como saúde, filhos, velhice, finitude. E também recupera um Gil que faz dançar.

 

A faixa que dá título ao trabalho é uma declaração do compositor diante do constante questionamento a que ele e outros de sua geração estão expostos, chamados a se posicionar sobre questões políticas e sociais.

Gil se mostra consciente de seu papel de farol para os seguidores: “Alguns sugerem que eu saia no grito/ Outros que eu me quede quieto e mudo/ E eis que alguém me pede ‘encarne o mito’/ ‘Seja nosso herói, resolva tudo'”.

Mas, numa letra de intrincada construção poética, não cede à inquisição: “Sei que não dei minha opinião/ É que eu pensei, pensei, pensei, pensei/ Palavras dizem sim, os fatos dizem não”.

Em oposição aos confrontos na rede, Gil pode oferecer uma singela canção como “Prece”. Balada belíssima, só voz e guitarra, e versos claros: “Rezaremos na hora marcada/ Às seis da tarde como reza a lei/ No encontro entre o dia, a noite e o nada/ Salve rainha amada, amado Cristo rei”.

A família cerca o patriarca na produção. Está presente dentro do estúdio e também aparece como tema de várias canções. “Sereno” é um quase sambinha para seu décimo neto, com o coro cantado por alguns dos outros nove.

“Sol de Maria” é uma balada para a primeira bisneta. E “Uma Coisa Bonitinha”, parceria com o pianista João Donato, fala de mamãe e vovó. O próprio Donato foi ao estúdio tocar e cantar ao lado de Gil.

Duas faixas remetem ao Gil da virada dos anos 1970 para a década seguinte, quando uma urgência dançante disparou hits como “Realce”.

O clima retrô impera em “Na Real” e “Tartaruguê”, músicas com banda parruda, batida para levantar plateias nos shows. Algo que Gil sempre fez bem e parece estar de novo pronto para isso.

“Yamandu” é homenagem explícita ao violonista Yamandu Costa, a maior expressão do instrumento em atividade no Brasil e que foi ao estúdio para gravar com Gil.

Essa louvação resgata o exímio tocador de violão que Gil tantas vezes demonstrou ser. Uma faceta de seu talento que costuma ficar à sombra do grande cantor e compositor.

“Quatro Pedacinhos” é uma bem-humorada descrição da biópsia cardíaca realizada pela médica Roberta Saretta. E “Kalil”, esta ausente da edição em vinil e presente como faixa bônus do CD, foi feita para Roberto Kalil Filho, médico que se tornou grande amigo.

Talvez o momento em que Gil mais se exponha no disco seja em “Jacintho”, uma canção sobre doença e velhice: “Já sinto aqui no meu peito/ Alguns sinais de defeito/ Coração, pulmões e afins”.

Nessa, e em todas as faixas, está a persistente busca pala melhor rima e a decisão de não fazer música simples, por mais singela que seja. Gil, aos 76 anos, está inquieto.

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