Good vibes only

Pelo menos 90% dos meus amigos estão deprimidos e/ou ansiosos. Bebem muito, fumam demais, dormem mal e trabalham até quase o cérebro derreter. Os outros 10% também não estão bem

É sério, eu acredito nas vibrações, acredito em alma, auras, energias sutis. Eu sempre fui a pessoa sem religião mais religiosa que eu conheço. Minha casa sempre teve altar e assentamento.

Outro dia estava lembrando que minha mãe sempre pedia para eu despachar os doces do altar de Cosme e Damião. É que eu estudava numa escola ao lado de uma praça com um grande gramado. Ela ainda dizia “faz um pedido quando colocar na grama, pede para tirar boas notas e saúde”.

Era a coisa mais angustiante do mundo ser uma criança macumbeira, ter respeito pelas entidades e ao mesmo tempo não querer ser vista pelos colegas da escola colocando doce na grama às sete horas da manhã. Bom, o que importa é que minhas notas sempre foram altas e minha saúde, de ferro.

Eu acendo vela, rezo e oro todos os dias. Eu canto também, “porque quem canta reza duas vezes”. Canto orikis para Oxum, “Elegbará”, do Batucada Tamarindo, canto “Alma boa”, do Pedro Cezar, “Three little birds” na versão do Gil, até a Fernanda Brum e o Salmo 46 em “Há um rio”, que continua me emocionando. Tudo isso para manter minha vibe lá em cima e não passar o dia chorando em posição fetal.

Pelo menos 90% dos meus amigos estão deprimidos e/ou ansiosos. Bebem muito, fumam demais, dormem mal e trabalham até quase o cérebro derreter. Eu incluo meu nome e sobrenome na lista. Os outros 10% também não estão bem e têm outros vícios, mas ainda não assumiram isso para si mesmos.

A gente fica aqui enchendo a cara de filtro tentando maquiar as coisas e não percebe os recados que o corpo dá. Se a sua pele está toda ressecada, pode ser sinal de que você não esteja bebendo água suficiente. Se está com olheiras, pode ser que você não esteja dormindo o suficiente. Se a sua unha e cabelos estão quebradiços, pode ser que você não esteja se alimentando bem, mas, se você vive com extensão na unha e lace na cabeça, como vai saber?

“Por fora bela viola, por dentro pão bolorento”, já dizia dona Celeste. E eu incluo meu nome e sobrenome na lista.

Mas, óbvio, falo aqui do meu lugar de quem pode pagar um dinheirão de terapia e ter pelo menos uma hora por semana para pensar e repensar essas coisas. Quer dizer, um dinheirão para quem, né? Certamente para mim e para a maioria da população brasileira que, segundo dados do IBGE, viu em 2021 a renda média mensal domiciliar per capita cair para R$ 1.353, menor valor em dez anos.

Os perfis do Instagram Pra Preto Ler e Pra Preto Psi, projetos de Bárbara Borges e Francinai Gomes, fizeram um post importante há uns dias, racializando a “good vibes”. Porque, sim, é muito mais fácil ser leve quando se tem dinheiro. Tudo que foi criado pelo ser humano foi criado em um contexto cultural e social pertencentes a uma época.

Eu sempre desconfio quando, no meio de uma meditação, alguém diz para eu visualizar uma luz branca. E quem foi que classificou o preto como ausência de luz?

Uma vez fui parar num vídeo em que uma mina branca explicava sobre karma fazendo uma analogia sobre “karma mau” e “karma bom” com a vida de quem tinha nascido na Etiópia e quem tinha nascido na Finlândia. Eu quis entrar na tela e dar uma surra naquela mulher. Desequilibrou totalmente os meus chakras.

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