Alguns significados do anúncio do fim do vestibular

 

Escrito por: Fátima Oliveira
Fonte: http://www.otempo.com.br/otempo/coluna
Pubicado em: 07/04/2009

 

 

 

Sou do tempo em que só cursava o ginásio (atuais 5ª, 6ª, 7ª e 8ª séries do primeiro grau) quem passava no Exame de Admissão ao Ginásio. O motivo para tal exame era que não havia “ginásio” para todo mundo que queria cursá-lo. Também diziam que tinha um caráter meritocrático, pois o processo era classificatório e as provas, descritivas. Só entrava no ginásio, público ou particular, quem obtivesse as notas mais altas em português, matemática, geografia, história, ciências e redação.

Era possível “pular” a última série do primário, a 5ª série, pois era permitido a quem estivesse na 4ª série, se passasse no Exame de Admissão ao Ginásio, não cursar a 5ª série. Eu, por exemplo, não fiz a 5ª série, pois passei no exame de admissão após concluir a 4ª série. Quem concluía a 5ª série precisava fazer o exame de admissão, que era anual. Se não passasse, teria de ficar um ano se preparando (havia cursos preparatórios!) e só entrava no ginásio se passasse no tal exame. “Passar no exame de admissão” significava ter média para ser classificado conforme o número de vagas disponíveis. Do mesmíssimo jeito do atual exame vestibular.

Não sei a data exata do fim do Exame de Admissão ao Ginásio, mas deve ter mais ou menos uns 35 anos – época que coincide com a ampliação de vagas do antigo ginásio nas instituições públicas e privadas, medida que tem a marca da democratização do ensino para além do primário. Só para que entendam a dimensão do que digo: em 1965, não havia sequer um ginásio público em todo o sertão do Maranhão. Na capital, São Luís, eram pouquíssimos os ginásios, cursos científico, clássico, magistério e contabilidade em escolas públicas. Acho que só havia no Liceu Maranhense e na Escola Técnica Federal do Maranhão, na qual estudavam apenas homens.

Até a 3ª série ginasial, estudei no Colégio Colinense (Colinas, MA), escola particular católica, fundada pelo padre Macedo, tida como top de linha no Maranhão. Tenho orgulho de ter estudado lá. São lembranças que surgiram ao ler a notícia sobre a corajosa proposta do fim do vestibular, anunciada pelo ministro da Educação, Fernando Haddad, a quem cumprimento desejando-lhe muita garra para levar adiante a ideia e com votos de que sobreviva ao fogo cruzado no qual se meteu. Para ser franca, sequer consigo imaginar os zilhões de interesses de ordem econômica e ideológica contrariados e que não vão deixar que a ousadia “passe batido”.

A condição legal no Brasil para o acesso à universidade é a conclusão do 2º grau. O resto é tergiversação. Tal como o exame de admissão, o vestibular é apenas um artifício, tal qual um funil para encobrir a falta de vagas na universidade. Num olhar sem hipocrisia, urge entender que o contingente de pessoas que conclui o 2º grau está apto a transpor as soleiras da universidade, desde que assim o deseje.

As alegações de que o 2º grau é de baixo nível exigem medidas emergenciais, mas não podem ser impedimento para a entrada na universidade. A proposta evidencia que o governo Lula tem compromisso com a democratização da universidade. Substituir o vestibular por um processo seletivo inclusivo, social e racialmente, tendo como lastro a equidade, demonstra que o país assume demolir os entraves que impedem o acesso a todos os níveis do ensino. Trocando em miúdos, as cotas étnicas e outras modalidades de ação afirmativa devem ser a pedra de toque do processo seletivo como parte da reparação que o Brasil deve à população negra e indígena.

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