Guga Rocha destaca a importância da cultura quilombola

Guga Rocha é um showman. Faz piada, conta história, opina, chama gente da plateia para cozinhar, e ainda assim não parece nada disperso. Talvez por sua experiência à frente do programa Homens Gourmet, do canal pago Fox Life, para o chef é muito natural ter o público na mão. Apresentando o tema “Cozinha Quilombola”, Guga foi o terceiro a ministrar palestra no segundo dia de atividades do Ver-o-Peso da Cozinha Paraense 2013 no Boulevard Shopping.

A aula teve início com uma breve apresentação da origem dos quilombos. Segundo Rocha, eles surgiram da junção de africanos e índios com povos europeus, como portugueses e holandeses. “Dizem que a culinária brasileira nasceu nas senzalas. Isso não é verdade. Ela não nasceu encarcerada, nasceu livre nos quilombos, numa sociedade livre e miscigenada. Esses povos se juntaram e disseram ‘e agora, o que é que a gente come?’ . Ele também desmistificou a ideia de que a feijoada foi criada com os restos de alimentos consumidos pelos escravos. “A feijoada é uma mistura de vários lugares. Há inclusive registros muito antigos mostrando que portugueses compravam os ingredientes que usamos na feijoada para consumir normalmente”, esclareceu.

Enfatizando os quilombos de Alagoas – estado onde nasceu – e sobretudo o Quilombo dos Palmares, Guga destacou como itens típicos dessa cultura o porco, o feijão, a carne seca, o milho e os galináceos. Segundo ele, o retrato da mistura está na origem dos próprios alimentos incorporados nessas regiões. “A galinha, por exemplo, não é originária daqui. Essa é a miscigenação cultural, que se reflete na culinária”. Ele aproveitou para criticar a pouca atenção que as comunidades remanescentes recebem do governo. “A arte, onde eu incluo a gastronomia, tem que levar você a pensar, a aprenderem algo diferente. Se essas pessoas tivessem um tratamento melhor, que turista não gostaria de ir a um lugar como esse para conhecer essa produção?”.

Na ocasião, o chef tratou de reforçar que a cultura do povo quilombola é a cultura do país como um todo. “O Brasil é um grande quilombo. O que nos faz um povo só? Não vamos aprender receitas, vamos nos conhecer”, disse. E prosseguiu com a crítica: “A gente tem que se desprender disso de reproduzir o que já está feito, de investir em clássicos. Somos um país jovem. Temos que criar clássicos, reinventar os clássicos, não se prender. Nós somos o novo”.

Aliás, a preservação da cultura brasileira em seu aspecto mais original é uma bandeira que Rocha defende com veemência. Este é um discurso que ele leva até mesmo para as universidades onde eventualmente ministra palestras. “Os cozinheiros saem da faculdade achando que são os novos Ferran Adriá. Eu digo a eles que nenhuma flor existe sem raiz. Antes de ser flor, ela é semente. A culinária, por mais refinada que seja, tem que ter raiz”. Por outro lado,  atualizar o sabor para o momento atual e estar atento às expectativas de quem consumirá o que foi preparado, para ele, faz parte do papel desempenhado pelo chef. “São cinco os elementos que servem de base para a minha cozinha: sabor, cor, perfume, textura e surpresa. Por mais que seja uma coisa rústica, simples, o contraste entre esses elementos – ácido, crocante, macio, azedo – vai deixar quem comer envolvido”.

Incansável na defesa de uma maior consciência cultural, o que perpassa pela cultura gastronômica, o chef – que também atua como consultor gastronômico – enfatizou a variedade de produtos encontrados no Brasil que ainda são desconhecidos do grande público. “Pra gente, a comida nasceu no supermercado e só existem dois tipos de batata, um tipo de tomate… Bobagem. Nós temos uma infinidade de coisas. Da mesma maneira, a comida não desaparece quando você joga ela na pia. Você não pode querer comer morango o ano todo. Temos que aprender a respeitar a natureza, as estações do ano”.

Para realizar os pratos que trouxe para sua aula – paçoca de quilombo e mingaupitinga -, Guga Rocha convidou pessoas do público para cozinhar e servir, e brincou de simular uma cozinha de verdade com as pessoas do público que estavam participando da montagem. “Vamo, vamo, vamo! O cliente está esperando!”, dizia, enquanto os demais riam bastante. Ao ter a mistura elogiada por alguém da plateia, Guga desabafou: “pois é, né? E é um tipo de prato que está se perdendo”. A propósito, ele está trabalhando em um livro que deve ser lançado no fim do ano. Nele, estarão 180 receitas quilombolas, catalogadas pessoalmente por Guga. “Foi feito do meu próprio bolso, no boca a boca, indo aos lugares. É a paixão da minha vida. Espero que as pessoas gostem e compreendam”, disse. “É  o primeiro livro de culinária quilombola no Brasil, um pais que lança trocentos livros de gastronomia por ano. Só de cozinha francesa tem um monte. Já deviam ter feito uma pesquisa a respeito há muito tempo. O que tem é coisa pequena e coisa errada. Somos um pais sem memória. Mas tá mudando”.

Texto: Camila Barbalho

Foto: Diego Ventura

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