Hamilton Borges

Objeto de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), a morte de jovens negros é um dos focos do movimento Reaja ou Será Morto/ Reaja ou Será Morta. Em entrevista ao Bahia Notícias, o líder do grupo, Hamilton Borges, acredita que a luta contra o genocídio negro ainda esteja muito longe de terminar. A Marcha contra o Genocídio é realizada desde 2006 e vem ganhando força inclusive internacionalmente. “A Reaja ninguém conseguiu e nem vai conseguir calar”, afirmou. Mesmo com o fortalecimento do movimento, a violência com os negros não cessou. Para o líder, para que as pessoas consigam ver a verdade e a necessidade de ações é preciso fazer mudanças na estrutura do governo, tido por ele como “um monstro”.

Como nasceu o movimento Reaja e a Quilombo Xis?

A Quilombo Xis é uma espécie de produtora cultural e nasceu em Belo Horizonte, em 2000. Eu e Sérgio Soares, escritor e poeta baiano, morávamos na cidade mineira e criamos uma produtora que pudesse divulgar um pouco da arte baiana. Hoje ela atua como uma organização dentro das comunidades, voltada para a educação, política cultural e saúde. Já a Reaja é uma campanha que vem de um movimento negro unificado. Em 2005, ao voltar pra Salvador, víamos nas páginas policiais dos jornais uma série de corpos negros tombados pela cidade. É uma coisa que nos atingia diretamente. Nossa primeira tarefa foi nos voltar para essas comunidades apartadas e que sofriam violência. Chegamos à conclusão que toda a vida tem o seu valor, mas a nossa não tem peso. Quem tem a sua dor é quem geme e nós entendemos que deveríamos politizar a nossa morte. No dia 12 de maio de 2005, ocupamos a sede da Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) e ali foi o nascimento da campanha.

Qual a maior contribuição do movimento?

Tem 11 anos que colocamos o genocídio negro na agenda política nacional. Parte do Movimento Negro é tutelado pelo governo e pelos partidos. A pauta deles é a que o partido quiser. Nós pautamos a nossa própria política. O governo, inclusive, criou algumas organizações “fakes” que parecem com a gente, mas recebem dinheiro para blindar o governo. Aqui no estado, quem pilota é o governo da Bahia e este governo tem responsabilidade com o processo do genocídio.

Você falou que algumas instituições serviriam para blindar o governo. Como é possível combater este tipo de atitude? É possível combater estando dentro do próprio governo?

Sempre tivemos uma descrença em tentar comer pelas beiradas. A violência no estado é tão grande que colocou algumas pessoas para agirem em favor do opressor. Não podemos morrer como se fôssemos baratas. Veja a morte daqueles jovens no Cabula, não existe antecedente tão cruel. Foi uma execução programada e a SSP tinha ciência. Quando conseguimos visibilidade com a campanha Reaja, o volume do governo para blindar os assassinos foi grande. Mas os autos do processo estão aí e indicam que foi uma série de ações forçadas. O que foi feito na Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (Sjdhds) e na Secretaria de Promoção da Igualdade (Sepromi)? Nada! Nós não acreditamos que por dentro deste monstro, que é o estado brasileiro, nós possamos combater o genocídio.

E a questão das mortes do Cabula? Vocês conseguiram dialogar com o estado?

Nos encontramos direto com o governador. Ele chorou na frente de uma mãe, mas foi um choro hipócrita. Ele disse que ia extinguir o Auto de Resistência, que inclusive é um plano da legenda [PT] em escala federal, mas aqui na Bahia continua existindo. O governador mentiu. Quantos negros têm no governo baiano? Será que precisamos continuar sendo tutelados pelos brancos? São essas perguntas que queremos fazer para a sociedade.

Como é possível fazer com que as pessoas vejam a necessidade desses direitos? 

A maioria das pessoas que chegam na Reaja passaram muito tempo de sua história de vida defendendo políticas de endurecimento criminal. O senso comum invariavelmente absorve os discursos de quem quer eliminá-lo. Ninguém em sã consciência vai defender quem pega uma arma, entra num ônibus e leva o salário e o celular das pessoas. A questão é que nós acreditamos que as pessoas que cometem crimes também têm direitos.

Como você vê o período que estamos vivendo hoje?

Vivemos um impasse. O problema aqui é o ódio. Não estamos discutindo o racismo e sim o ódio antinegro. Um dos avanços que tivemos foi separar o joio do trigo. Ou seja, quem realmente quer fazer a luta. O confronto se apresenta inevitável.

 

+ sobre o tema

Vereadores protestam contra caso de racismo em supermercado de Salvador

Vereadores de Salvador emitiram notas de repúdio, nesta segunda-feira...

O colorismo é um assunto nosso?

Vamos pensar em uma perspectiva histórica. A Democracia Racial...

Registros de crimes de discriminação racial e religiosa crescem no Rio

Nos últimos três anos, houve aumento no número de...

para lembrar

Artistas negros são ‘tratados como sobras’ em Hollywood, diz Viola Davis

Em recente entrevista à Variety, Viola Davis falou sobre...

Becos, Viellas, Afoxé e Congado

A rua, um espaço de liberdade antes da pandemia...

Mais de 600 pessoas negras foram mortas em MT em 2021, aponta Atlas da Violência

Mato Grosso registrou 672 casos de homicídio contra pessoas...
spot_imgspot_img

Relatório da Anistia Internacional mostra violência policial no mundo

Violência policial, dificuldade da população em acessar direitos básicos, demora na demarcação de terras indígenas e na titulação de territórios quilombolas são alguns dos...

Aos 45 anos, ‘Cadernos Negros’ ainda é leitura obrigatória em meio à luta literária

Acabo de ler "Cadernos Negros: Poemas Afro-Brasileiros", volume 45, edição do coletivo Quilombhoje Literatura, publicação organizada com afinco pelos escritores Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa. O número 45...

CCJ do Senado aprova projeto que amplia cotas raciais para concursos

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou nesta quarta-feira (24), por 16 votos a 10, o projeto de lei (PL) que prorroga por dez...
-+=