A história dos negros argentinos: por que eles quase “sumiram” do mapa por lá?

Do mesmo jeito do Brasil, a Argentina passou pelo mesmo processo de escravidão. O país foi povoado por negros oriundos do continente africano,  tanto que,  nos meados  de 1780 a sua participação chegou a ser de  50% da população  e agora 2012 em menos de 200 anos  não chega a 3%.

Do Black Pages Brazil

Hoje a população negra da Argentina corresponde a menos de 3%, enquanto no Brasil ultrapassa os 60%, indagam-se quais os motivos , quais as justificativas se os dois países passaram pelo mesmo modus operandis de ocupação, será que a colonização Hispânica totalmente diferente da portuguesa guarda relação com este fenômeno? teria este processo alguma participação no desenvolvimento cultural, educacional e da pouca colocação  do negro nos cargos atuais da nação?

Assim como o Brasil, Canadá, Austrália, Estados Unidos e África do Sul, a Argentina também é considerada um país de imigrantes, que viveu seu fluxo maior a partir de 1850, até 1950. De acordo com dados históricos, o país só perde para os Estados Unidos em número de imigrantes europeus que recebera ao longo deste tempo, em sua maioria italianos e espanhóis. Cerca de 85% dos argentinos de hoje se identificam como descendentes destes imigrantes europeus que aportaram em Buenos Aires há mais de um século.

No entanto, uma situação no mínimo interessante intriga muitas pessoas: o país, que foi colônia de exploração espanhola até o final da década de 1810, tinha uma população negra de escravos bastante densa. Entretanto, atualmente, menos de 4% dos argentinos de hoje são afrodescendentes. No interior do país essa margem vai aumentando, passando para 7% e até 21%, dependendo da cidade. O que será que aconteceu a esses escravos do Prata? Há heranças africanas por lá como temos aqui?

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Durante os séculos 17 e 19, o tráfico negreiro era bem ativo no Atlântico Sul. Os portos de Salvador, do Rio de Janeiro e Buenos Aires recebiam milhares de escravos anualmente para serem vendidos em mercados populares a preços altíssimos. Durante a dominação espanhola do vice-reino do Rio da Prata, os negros compunham mais da metade da mão de obra. Para o europeu, era indigno que um branco fizesse uma série de serviços braçais e domésticos.

No entanto, de um modo geral, há que fazer ressalvas. A colonização hispânica das Américas preferiu forçar o indígena ao trabalho, optando pelos negros quando (1) não havia mão de obra indígena disponível, (2) quando os índios eram considerados selvagens para a catequização ou (3) quando a mão de obra dos índios diminuía consideravelmente por causa da fome, das doenças e das péssimas condições de trabalho. Na Argentina percebemos os dois primeiros motivos, sendo que era a Inglaterra quem fornecia os cativos ao Vicerreino do Prata.

Como, então, explicar que uma população que compunha o quadro demográfico em pelo menos 50% tenha sido reduzida para 4%, em média? Há vários motivos que convergem para essa diminuição absurda, que se torna caso histórico – como o quase desaparecimento dos índios nos Estados Unidos.

Na literatura muitos são os argumentos

1-Com a constituição de 1853 e a abolição da escravidão no mesmo ano, os negros na Argentina foram  entregues à própria sorte e caíram no abandono, o governo literalmente esqueceu-se da sua existência como seres humanos.

2-Nas raias do abandono os negros passaram a morar em guetos, favelas e cortiços, a população africana sem emprego , sem higiene, sem saneamento,  a má alimentação e baixa da imunidade passou a ser presa fácil para as grandes epidemias como  as hepatites, viroses, infecções , a cólera e diarréias de causas desconhecidas, muitos foram os negros que sucumbiram neste período.

3-Com os grandes embates nas Guerras da Independência, na Guerra do Paraguai e outros sinistros, o governo criou diversos batalhões no exército nacional constituídos apenas de negros na fase produtiva e de reprodução,  com promessas de melhores dias para este povo, estes batalhões não recebiam as mesmas instruções ou treinamentos, partiam para o fronte e eram dizimados aos borbotões.

4-A mão de obra preferida pelos espanhóis era a indígena, quando esta fracassava por diversos motivos  era utilizada a negra que chegava da África em grandes navios negreiros , com os embargos ingleses foi substituída pela mão de obra branca oriunda da Europa , esta era escolada e cheia de vontade, os brancos exigiam os seus direitos, principalmente os da Espanha.

5-Com o afastamento do negro para os guetos, para a promiscuidade , para a extrema pobreza e total abandono,  os brancos foram se distanciando como também os encontros amorosos, os concubinatos , os cruzamentos das raças, sendo poucos os nascimentos de mestiços e uma vez gerados  eram cartorialmente registrados como brancos.

6-Poucos foram os legados dos Africanos para o povo Argentino,  a maior marca deixada foi  na cultura artística musical , o TANGO, um estilo que na áfrica recebia o nome de TANGÓ que pela beleza foi incorporado pelo país platino.

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7-A literatura aventa que , com o aniquilamento dos Africanos na formação deste povo, a sua cultura passou a ser formada pelos brancos oriundos da Europa, povos já civilizados , finos e que vieram não para serem totalmente submissos, vieram com o intuito de criarem uma nação e difundirem os seus costumes .

A propósito destas condutas e correndo pela tangente existem informações , que  muitos negros eram colocados em navios com promessas de bons destinos e nunca se soube dos seus paradeiros, não se sabe se eram jogados ao mar, se os destinos eram as ilhas Malvinas ou se eram negociados nas costas  brasileiras devido a proximidade e a não necessidade de viajarem em alto mar. Como justificativa existe também a explicação da saga, da valentia , da agressividade e perversidade  do povo da Espanha para com os negros e os índios , os espanhóis não perdoavam para conquistar espaços , eles  escravizavam, consumiam e depois  matavam os subordinados. Detestavam aproximação, seguiam ao pé da letra os mandamentos do velho testamento em Moisés e Deuteronômio.

Está aí uma síntese de algumas perguntas sobre os negros nas terras do Vice-Reino Espanhol do  Rio da Prata.

Somente em 2006 que o governo argentino decidiu fazer um censo-piloto sobre esta questão. Foram selecionados alguns bairros periféricos de algumas cidades importantes do país. Mais de 5% dos entrevistados sabiam que tinham antepassados africanos. Outros 20% consideravam que poderiam ter, mas não havia certeza.

No interior do país a porcentagem de negros aumenta porque, no século 19, a Argentina ainda não estava reunida em um governo único; era uma reunião de províncias cuja capital, Buenos Aires, decidia alguns assuntos. Por isso que muitos deles não foram para as guerras e sofreram as duras consequências da falta de preparo.

A influência cultural…
De acordo com alguns historiadores da cultura, o efeito mais duradouro da influência africana na Argentina tenha sido o próprio tango (na foto abaixo, o tango em 1920), que fazia parte das cerimônias escravas conhecidas como tangós. Por volta de 1880, muitos dos primeiros compositores de tangos eram mestiços, inclusive.

Assim como no português brasileiro, o espanhol falado na Argentina também está repleto de palavras de origem africana. No âmbito religioso também há alguma influência dos ritos africanos, principalmente em locais onde se batem tambores, parecidos com os centros de umbanda e candomblé no Brasil. Nos últimos anos houve um crescimento muito grande de adeptos dessas crenças (as santerías). Contudo, é um país reconhecidamente racista em diversas práticas.

TangoNegro

No período que Buenos Aires era capital da administração espanhola na região do Prata, as autoridades qualificaram algumas “raças”. Assim, as pessoas tinham direitos e deveres diferentes perante a sociedade e a administração pública.

MULATO – nascimento de negro com branco;
TERCERÓN – nascimento entre branco com mulato;
QUARTERÓN – nascimento de branco com “tercerón”;
QUINTERÓN – nascimento de branco com “quarterón”;
ZAMBO – nascimento entre negro com índio
ZAMBRO NEGRO – nascimento entre negro com índio, cujo indivíduo tinha forte característica física africana;
SALTO ATRÁS – quando a criança mulata ou “tercerón” era mais negra que os pais.

Estas classificações eram utilizadas para estigmatizar as pessoas e impedir seu acesso social a bens comuns como educação e saúde, ou a entrada no exército (em períodos de relativa paz). Na imagem abaixo temos uma imagem de uma celebração de tangó em Buenos Aires na década de 1820, logo após a independência argentina.

A história dos negros na Argentina mostra que não somente no Brasil houve uma situação bastante cruel no reconhecimento da existência, da cidadania e da individualidade destas pessoas. Talvez o choque maior se dê no pensamento de que eles tenham sido usados como soldados de front, sem o mínimo preparo, em guerras que os governos brancos e europeizados estiveram. Para alguns historiadores argentinos, é de chocar quando imaginamos que um grupo gigantesco que um dia compôs 50% da mão de obra para o nascimento de uma nação livre tenha sido drasticamente reduzido a, talvez, 4% em 200 anos.

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