Histórias Perdidas

Sentados em círculo, estávamos na escola eu e cerca de 10 crianças, entre 6 e 14 anos, todas negras (umas de pele mais clara e outras de pele mais escura). Com um mapa no centro, cada uma procurava e mostrava no mapa de onde tinham vindo seus antepassados. Vinham da Itália, Espanha, Portugal, e até da Alemanha. Fiquei triste em constatar que ninguém veio da África, nas falas deles… as crianças sabiam as histórias da bisavó espanhola, conhecida pelo seu gênio forte e comida deliciosa, do tataravô italiano de olhos azuis, do trisavô português que morava no nordeste; nenhuma história sobre negros africanos. Nem ao menos sabiam que tinham antepassados vindos da África… histórias esquecidas, escondidas pelas famílias no decorrer dos anos…

por Sandra Caselato via  Guest Post

Então contei da parte da minha família que veio da África, mas não sei de que país, pois eles vieram forçados, sequestrados, trazidos como escravos para o Brasil. Um menino perguntou espantado: “existiram escravos no Brasil?” Ficou chocado em descobrir que todos os negros que vieram para o Brasil durante muitos anos eram trazidos da África como escravos. E eu, chocada com o choque dele. Se nós somos ‘morenos’, somos descendentes dessas pessoas. “Então todos nós aqui nessa roda temos antepassados que foram escravos?!”, se espantou ele.

Contei que quando acabou a escravidão, a mãe da minha bisavó veio andando a pé da Bahia até São Paulo, carregando no colo sua filha (minha bisavó). Olha que distância enorme da Bahia até São Paulo no mapa! Muitas pessoas fizeram esse mesmo trajeto, em busca de uma vida melhor. Será que os antepassados de vocês também fizeram esse trajeto?

A mãe da minha bisavó não aguentou a jornada e morreu no caminho, não chegou em São Paulo… e minha bisavó foi criada pela tia. Nunca estudou porque foi trabalhar desde criança – naquela época as crianças trabalhavam! Ela somente aprendeu a ler, mas nunca conseguiu realizar o seu sonho que era se tornar professora. Minha bisavó morreu velhinha, quando eu tinha 14 anos. Conheci ela bem! “Então não faz tanto tempo assim que acabou a escravidão!”, descobriu um menino.

Temos ainda muito trabalho pela frente para que a história dos negros no Brasil chegue às escolas…

** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

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