Homem Chora Masculinidade

O modelo de masculinidade ainda é baseado em expressar potências e esconder imperfeições e angústias. Isso não faz mais sentido

Por Leticia Gonzalez Do Revista Trip

A cena é comum nos grupos de reflexão coordenados pelo psicólogo Carlos Zuma, no Rio de Janeiro. Numa sala cheia de homens reunidos por 1 hora e meia, tem alguém que chora primeiro. Aí, conta Zuma, o desconforto é palpável. “Um levanta para pegar um café, outro se mexe na cadeira, outro puxa conversa com o cara ao lado.” Especialmente nos primeiros encontros, a pauta geral é incômoda — o que é, afinal, ser homem hoje? A portas fechadas, ideias de macheza e pressão social vêm à tona. Lembranças de infância se misturam a memórias recentes, como as das agressões que eles próprios cometeram. É que a maioria chega ali via juizado de violência doméstica; outros poucos por exigência da mulher e uma minoria por vontade própria. Mas o que os faz participar é outra coisa. A saudade dos filhos, a perda da mulher que amam e a noção da dor causada levam a uma só conclusão. É preciso ser macho de outro jeito.

ANDRÉ MIFANO- 40 anos, chef de cozinha: “Não sou um cara que quando fica triste chora, mas não tenho nenhum medo de demonstrar emoção. O homem que não se mostra é mais fraco do que ele acha que o cara que está se mostrando é, e uma hora ele explode. Claro, se você colocar na perspectiva da sociedade inteira, são poucos homens que vão chorar em público, ou até que vão admitir que choram. Acho que isso tem muito a ver com a criação. Se você é acolhido dentro de casa, se é encorajado a mostrar sentimentos, você vai levar isso para fora. Se você cresceu com um pai que fala “engole o choro senão vou te meter a mão na cara”, se você ouve isso a vida inteira, você engole o choro a vida inteira. E junto com o choro você engole todas as emoções que vêm com ele.”

A metodologia usada nos encontros semanais é a criada pelo pioneiro Instituto Noos, fundado por Zuma com colegas em 1994, hoje replicada em mais de 20 programas no Brasil. Fazer falar os homens é a proposta do grupo para abrir suas cabeças e encontrar soluções pacíficas para a vida. A maioria tem mais de 40 anos e é de um tempo em que força era sinônimo de masculinidade. Cresceram em famílias com um líder inconteste que, não raro, “corrigia” mulher e filhos fisicamente. São um retrato ultrapassado, mas ambulante. Apesar do crime que cometeram, têm ideias que circulam livremente por aí.

“Quer ver meninos brigando? Chegue num jardim de infância e pergunte quem é o marica. Eles vão prontamente apontar o dedo uns aos outros, ou escolher um só, que terá de brigar com todos para provar o contrário”, diz o sociólogo americano Michael Kimmel no documentário A máscara em que você vive, que investiga a cultura do macho nos Estados Unidos. Fundador do Centro de Estudos do Homem e das Masculinidades na Stony Brook University, em Nova York, e autor de Guyland: The perilous world where boys become men (algo como “‘Caralândia’: o mundo perigoso onde os meninos se tornam homens”), Kimmel faz coro com colegas brasileiros quando decreta: brincadeiras que humilham a sensibilidade de meninos os destroem por dentro. Não é a capacidade de se defender que está em jogo (argumento de muitos pais para apoiar o lado briguento dos filhos), mas o castigo a toda e qualquer vulnerabilidade. “Expressar sentimentos é ser menos homem. Assim os gêneros vão se moldando”, diz Zuma. De um leque de emoções potencialmente amplo, sobra uma única legítima – a raiva – e um único modo de expressá-la – a agressão física. “Isso não é genético, como muitas mães acreditam. É apenas incentivado desde muito cedo.”

FELIPE MOROZINI, 41 anos. Fotografo: “Quando tinha 13 anos, meu pai faleceu. Em uma aula de redação, escrevi uma coisa e comecei a chorar. Foi a primeira vez que todos os meus amigos estavam vendo um menino chorar em público. A minha professora tinha perdido o irmão e me defendeu. Então, em vez de as pessoas fazerem bullying, elas me ajudaram. Talvez por isso para mim ficou fácil chorar e demonstrar minhas emoções. Chorar é sempre um ato de coragem, seja para um homem, seja para uma mulher, porque você está expondo seus sentimentos, e em público você pode receber de tudo, inclusive um abraço. Mas é estranho ainda ter uma sociedade que fala desde “homem não chora” até “se o homem chorar, que tipo de homem é esse?”. É muito claro que são seres humanos chorando.”

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