Honrar a morte de Rieli Franciscato

A Comissão Arns acaba de receber notícias altamente preocupantes sobre a situação de povos indígenas isolados, que são, como é sabido, os mais vulneráveis dentre os vulneráveis. São eles os que foram e continuam sendo sumariamente extintos sem que sequer a notícia do seu genocídio consiga sair da floresta. Desaparecem.

O caso da Terra Indígena Ituna Itatá no Pará é ainda mais macabro, pois já se antecipa um genocídio que não aconteceu. Interditada em 2011 pela Funai por evidências de existência de povo isolado, e posteriormente delimitada, essa terra tinha, em 2011, apenas 63 hectares desmatados. Situada na área de influência da Hidrelétrica de Belo Monte, a partir de 2017, a TI começou a sofrer invasões, que aumentaram muito em 2018. Em 2019, já foi campeã de desmatamento anual de toda a Amazônia, com 11.990 hectares desmatados!

Foto: Portal Tudo Rondônia

Mas ainda restou na TI Ituna Itatá floresta suficiente para o povo indígena isolado se refugiar. Ruralistas e políticos começaram a espalhar a notícia de que esse povo não existia e que se deveria liberar a área. O senador Zequinha Marinho (PSC-PA) protocolou, em março de 2020, um projeto de decreto legislativo com esse propósito[1].  É literalmente uma morte anunciada!

As invasões em terras indígenas e unidades de conservação explodiram nos dois últimos anos. Aumentaram o desmatamento nessas áreas em proporção muito maior do que no restante da Amazônia. Há claramente aí uma resposta ao incentivo do governo e ao desmonte das instituições de controle e proteção dos povos indígenas e do meio ambiente. Na Funai, e especialmente no grupo dedicado à proteção dos povos isolados e dos recém-contatados, há cada vez menos recursos humanos e menos apoio da presidência.

Na semana passada, Rieli Franciscato, um indigenista com trinta anos de experiência com povos isolados, foi morto por uma flecha ao tentar averiguar avistamentos. De quem é a culpa? Rieli tinha pedido apoio à Polícia Militar, que apenas cedeu dois policiais para acompanhá-lo. Esse ataque ocorreu quando toda a TI Uru Eu Wau-Wau, dentro da qual se refugiava o povo isolado, estava sendo invadida e desmatada em taxas cada vez mais altas.

Honrar a morte de Rieli é mudar a situação: é desintrusar, por fim, as terras indígenas invadidas.

Como bem nota o grande jornalista Rubens Valente, a posição defendida pelo governo no recente julgamento no Supremo da cautelar da ADPF 709, foi um acinte. O Advogado Geral da União, ao arrepio de toda a experiência passada, argumentou pela dificuldade de tirar invasores de terras indígenas pela possível contrariedade dos governos estaduais.

Repetimos: honrar a morte de Rieli é fazer valer a Constituição e tirar os invasores.

Manuela Carneiro da Cunha, integrante da Comissão Arns, foi presidente da Associação Brasileira de Antropologia. 

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