Hum…hum! por Sueli Carneiro

A última pesquisa do MEC sobre desigualdades raciais na educação divulgada pela imprensa dá-nos conta de que a piora da qualidade de ensino no período de 1995 a 2000 teve impacto devastador sobre o alunato negro. Em diferentes avaliações, percebe-se um aprofundamento das diferenças entre alunos negros e brancos em termos de aproveitamento escolar em prejuízo dos primeiros sobretudo em disciplinas como Matemática e Português.

Por Sueli Carneiro

Os dados são consistentes tanto para a escola pública quanto privada. A conclusão é que a piora na qualidade do ensino afeta mais os estudantes negros. Esse resultado se deve a várias injunções que, além da má qualidade do ensino, envolve a escassez de repertório cultural das famílias negras em geral, pobres ou abaixo da linha da pobreza, e sobretudo o racismo presente no cotidiano escolar que, perpetuando tratamento desigual, promove o esmagamento psicológico dos estudantes negros, rebaixando a sua capacidade cognitiva, impactando negativamente o seu desempenho escolar.

A divulgação cada vez mais sistemática pelos meios de comunicação dessas pesquisas sobre as desigualdades raciais no campo da educação poderia nos fazer supor que estamos diante de um crescente consenso sobre a urgência de medidas que possam incidir decisivamente sobre esse processo de exclusão do conhecimento de que é vítima o alunato negro, com as repercussões negativas que isso gera sobre suas chances futuras de inclusão e mobilidade social.

No entanto, não é bem assim. O que há de fato é crescente aceitação do diagnóstico. Porém, um diagnóstico em nosso país não parece significar necessariamente a exigência de tratamento urgente, mesmo sendo o caso grave. Se, no sistema público de saúde, as pessoas com diagnóstico de câncer esperam meses para iniciar um tratamento, devemos considerar que isso faz parte de nossa tradição cultural.

No tema da educação, com as honrosas exceções de sempre, os mesmos veículos que fartamente divulgam as estatísticas sobre as desigualdades raciais são os que também com eloqüência se contrapõem veementemente em seus editoriais contra a adoção de medidas corretivas da situação diagnosticada. Como isso é possível? Uma hipótese é: pesquisa é simplesmente notícia e, algumas delas trazem resultados de grande apelo que ajudam a vender os veículos.
Outra hipótese é que se trata de estudos realizados por empenhados pesquisadores cujo esforço deve ser recompensado com a devida visibilidade. Muito diferente é querer tomar as informações que essas pesquisas fornecem para daí extrair conseqüências práticas, sobretudo em termos de política pública. Afinal, estudos e pesquisas podem perfeitamente atender apenas à vontade de saber .

Míriam Leitão, no artigo ‘‘Preto e branco” (O Globo, 13/6), afirma sobre esse tema:… não haverá democracia estável nem economia sólida se o Brasil não tirar a venda que o tem impedido de ver o enorme fosso que separa brancos de negros e agir para corrigir o problema. No debate que tem ocupado a mídia nos últimos anos – depois de mais de um século de silêncio cúmplice – os mesmos falsos argumentos reaparecem: de que não há racismo, mas apenas discriminação social; de que é difícil qualquer ação afirmativa porque seria discriminatória; que somos todos afro-descendentes, afinal todos têm, pelo menos, um ancestral negro; de que o Brasil é um dégradé de cores dificultando políticas focadas na questão racial.

Em outros casos a atitude é: há desigualdades raciais, paciência, continuamos peremptoriamente contrários às ações afirmativas. Por quê? Porque defendemos princípios universalistas nas políticas públicas. Objeta-se: mas as políticas universalistas no campo educacional não têm historicamente alterado o padrão das desigualdades raciais. A resposta: o problema é que na verdade o Brasil nunca implementou verdadeiramente políticas universalistas! Ah, bom! E enquanto elas não o forem, o que se faz com as desigualdades raciais? Simples: vocês devem continuar lutando pela escola pública de qualidade! Hum… hum!

É aí que estamos. O que se depreende é que as evidências que são manifestas nesses estudos e pesquisas são incapazes de alterar essas posições que oferecem, como prescrição ao problema, a manutenção do paciente em estado de agonia. Sem dúvida, racismo é uma ideologia que não se submete a nenhum paradigma da racionalidade.

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