Afro-Ascendentes

No diálogo que vimos travando com empresas sobre a questão da inclusão da dimensão racial nas responsabilidades sociais, temos expressado a convicção de que, se forem capazes de se indignar com as práticas discriminatórias de base racial presentes no mercado de trabalho e com os níveis de desigualdades sociais que geram, as pessoas serão capazes de encontrar caminhos de democratização do acesso, valorização e promoção social de grupos socialmente discriminados. E, sobretudo serão capazes de encontrar soluções criativas extraídas de nossas particularidades econômicas e sociais e a elas adequadas.

por Sueli Carneiro

Temos sido extraordinariamente originais para discriminar, marginalizar e excluir sem conflito aparente ou explícito. E mais ainda para mascarar nossas práticas discriminatórias com formulações falaciosas como o mito da democracia racial cuja vitalidade diante do grau de desigualdade racial é um espanto para qualquer observador crítico e exigente. Portanto não nos faltaria criatividade para incluir se essa for a vontade política a nos inspirar.

Nessa direção, o PNBE nos oferece um exemplo concreto dessa assertiva que parte, segundo seu coordenador, Neissan Monadjem, da consciência de que o empresariado pode mudar o país e que é possível mudar o marco social de forma sustentável. Daí surge o projeto Diversa, que agrega 14 empresas da área de informática e emprega 6 mil funcionários. A sua meta é a inclusão de 10% de afrodescendentes em 5 anos sem prejuízo dos funcionários já empregados. A presença de afrodescendentes nesse segmento empresarial é de menos de 1%.

A idéia consiste na criação do Fundo Comum de Combate à Discriminação com a contribuição voluntária de 1% do salário de cada funcionário e outros 2% das empresas para cada contribuição de funcionários – um chamado à solidariedade e reconhecimento das desigualdades entre negros e brancos na competição social.

Esse fundo será utilizado tanto para assegurar a contratação sustentada de afrodescendentes como para investir na formação de futuros profissionais com as qualificações exigidas por essas empresas dada a quase inexistência de profissionais negros com o perfil exigido por elas (reflexo das desigualdades educacionais), o que atende ainda à necessidade de inclusão desse contingente às tecnologias de ponta.

Atuando nessa outra ponta dos problemas produzidos pela exclusão racial, ou seja, sobre o déficit censitário de negros com nível superior, surge o projeto Afro-Ascendentes. É um projeto de ação afirmativa de iniciativa do Instituo Xerox do Brasil desenvolvido simultaneamente no Rio de Janeiro e em São Paulo em parceria com organizações da sociedade civil que objetiva, em seu primeiro ano, inserir em cada uma dessas cidades 20 jovens negros em universidades públicas e privadas de boa qualidade, acompanhá-los e orientá-los durante a graduação, facilitar estágios em empresas parceiras e propiciar condições para o desenvolvimento integral de talentos, contribuindo assim, para o fortalecimento da construção democrática no Brasil. A duração do projeto é de sete anos em média. Ele pretende incluir uma nova turma a cada ano, 100 novos jovens em São Paulo e 100 no Rio de Janeiro.

As ações propostas para possibilitar a qualificação educacional e profissional dos jovens selecionados são:

  • suplementação escolar e orientação acadêmica;
  • investimento na formação de lideranças comprometidas com mudanças sociais;
  • expansão do repertório cultural de cada participante;
  • acesso a computador e à internet na residência de cada integrante;
  • facilitação de estágios profissionais nas organizações parceiras;
  • bolsa de estudos.

Como contrapartida, exige-se dos jovens:

  • dedicar-se aos estudos para ingressar em uma das universidades públicas ou em uma das particulares mais bem credenciadas na área;
  • capacitar-se como liderança para atuar no mundo do trabalho, acadêmico ou comunitário;
  • apoiar a sustentabilidade do programa com o compromisso de financiar a vaga de novo participante durante uma ano após sua formatura e ingresso no mercado de trabalho;
  • multiplicar ou gerir novas experiências educacionais ou sociopolíticas em nas escolas e comunidades de origem.

Diversa e Afro-Ascendentes são duas importantes iniciativas que demonstram que o pré-requisito essencial para a implementação de políticas de inclusão para afrodescendentes é, sobretudo, corações e mentes sensibilizados e indignados com a injustiça e apartação racial.

 

+ sobre o tema

A vulnerabilidade e a força das mulheres negras

Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Políticas para...

Jogadoras inglesas ganham direito à licença maternidade

Jogadoras dos 24 clubes da Super Liga de futebol...

Dias com Viviane: trajetória audiovisual de Viviane Ferreira

A programação da Cinemateca do MAM apresenta no mês...

para lembrar

Feminicídio: homem de 73 anos mata namorada de 17 por ciúmes

Suspeito, que teria relacionamento com vítima de 17 anos,...

Mulheres na política e críticas de sexismo – Por: Margaret Sullivan

Tradução de Jô Amado, edição de Leticia Nunes. Reprodução...
spot_imgspot_img

Beatriz Nascimento, mulher negra atlântica, deixou legado de muitas lutas

Em "Uma História Feita por Mãos Negras" (ed.Zahar, organização Alex Ratts), Beatriz Nascimento partilha suas angústias como mulher negra, militante e ativista, numa sociedade onde o racismo, de...

Ausência de mulheres negras é desafio para ciência

Imagine um mundo com mais mulheres cientistas. Para a Organização das Nações Unidas (ONU), isso é fundamental para alcançar a igualdade de gênero e...

Pesquisa revela como racismo e transfobia afetam população trans negra

Uma pesquisa inovadora do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (Fonatrans), intitulada "Travestilidades Negras", lança, nesta sexta-feira, 7/2, luz sobre as...
-+=