Human Rights Watch escreve ao governador de SP cobrando investigações de execuções extrajudiciais pela polícia

Apesar das reformas, mortes causadas por ação policial continuam

 

As provas colhidas nos casos analisados em São Paulo revelam um claro padrão: policiais executam pessoas e, em seguida, acobertam esses crimes. Uma das melhores formas de acabar com isso é promover a responsabilização dos policiais envolvidos, deixando claro que não haverá impunidade.

José Miguel Vivanco, diretor para as Americas
 
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O governo do Estado de São Paulo deve assegurar que todas as mortes decorrentes de intervenção policial sejam investigadas de forma célere, integral e imparcial e que policiais que usarem a força de forma abusiva sejam responsabilizados, disse a Human Rights Watch em uma carta enviada hoje ao governador Geraldo Alckmin e ao Procurador-Geral de Justiça Márcio Fernando Elias Rosa.

Na carta, a Human Rights Watch detalhou suas conclusões sobre a prática de execuções extrajudiciais por policiais estaduais registradas como resultado de confrontos. Informações analisadas pela organização sugerem que, para prejudicar a perícia, policiais envolvidos em execuções levam as vítimas a hospitais sob o falso pretexto de socorrê-las. Em alguns casos, chegam a introduzir provas nas cenas do crime antes da chegada de peritos.

“As provas colhidas nos casos analisados em São Paulo revelam um claro padrão: policiais executam pessoas e, em seguida, acobertam esses crimes”, afirmou José Miguel Vivanco, diretor da Human Rights Watch para as Américas. “Uma das melhores formas de acabar com isso é promover a responsabilização dos policiais envolvidos, deixando claro que não haverá impunidade”.A Human Rights Watch examinou 22 casos de mortes decorrentes de intervenção policial entre 2010 e 2012. Em todos os incidentes, as provas disponíveis lançam dúvidas sobre as alegações da polícia de que o uso de força letal foi legítimo. Em 20 desses casos, os policiais envolvidos removeram as vítimas das cenas do crime e as levaram a hospitais em supostas tentativas de “socorro”. Nenhuma dessas pessoas sobreviveu.

Em março de 2011, por exemplo, policiais atiraram em Dileone Aquino em um cemitério em Ferraz de Vasconcelos. Os soldados relataram que Aquino era suspeito de roubo de veículos e se feriu em um confronto após uma perseguição de carro, tendo sido levado às pressas para um hospital. No entanto, uma testemunha afirmou que observou os policiais tirando Aquino de uma viatura policial e lhe dando um tiro à queima-roupa. Os dois policiais envolvidos foram absolvidos das acusações de homicídio qualificado em 23 de maio de 2013.

Em novembro de 2011, policiais militares informaram que mataram os menores Douglas Silva e Felipe Macedo Pontes em legítima defesa em São Bernardo do Campo. Contudo, três testemunhas deram depoimentos de que os menores estavam desarmados e os policiais atiraram sem que tivessem sido provocados. Uma quarta testemunha narrou a investigadores que chegou ao local e viu Silva — desarmado e ferido — sob custódia policial. Silva pediu para que “ligasse para sua mãe e para o pessoal da vila, dizendo que eles policiais iriam matá-lo”. O inquérito policial sobre as mortes ainda não foi concluído.Policiais em São Paulo corriqueiramente enfrentam sérias ameaças de violência e, sem dúvida, um certo número de mortes decorrentes de intervenção policial éresultante do uso legítimo da força, disse a Human Rights Watch. Mas isso não se aplica a todos os casos.

A Human Rights Watch também analisou todos os Boletins de Ocorrência do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa de São Paulo (DHPP) sobre resistências seguidas de morte registradas na capital no ano de 2012. De acordo com esses registros, policiais transportaram 379 pessoas a hospitais, sendo que dessas, 360 — ou aproximadamente 95% — foram a óbito. Esse histórico deixou muito a desejar, afirmou aHuman Rights Watch.

As autoridades do Estado de São Pauloadotaram medidas importantes para reduzir a violência policial e promover a responsabilização de agentes que cometerem abusos. O mandato do Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial (GECEP) foi expandido em junho de 2010 para incluir a investigação de denúncias de tortura, homicídio e outros abusos praticados por policiais militares e o acompanhamento de mortes decorrentes de intervenção policialpara identificar padrões de abuso.

No início de janeiro de 2013, foi editada a Resolução SSP-05, uma medida que, juntamente com o Procedimento Operacional Padrão do Comando da Polícia Militar que a regulamenta (POP 2.05.01), visa impedir que policiais removam vítimas de confrontos das cenas do crime exceto quando inexistirem serviços de emergência na localidade e quando, havendo serviço, o tempo previsto de resposta “não for adequado para a situação”, mediante autorização expressa das autoridades policiais.

Além disso, desde janeiro, autoridades estaduais fizeram reiteradas declarações condenando abusos policiais e assegurando a punição dos oficiais que os cometem.

De acordo com estatísticas oficiais, mortes decorrentes de intervenção policial no Estado diminuíram 34% durante os primeiros seis meses de 2013 em relação ao mesmo período de 2012.

Entretanto, avanços adicionais são necessárias para que as reformas adotadas pelo governo do Estado sejam mais eficazes na eliminação de execuções extrajudiciais e acobertamentos por policiais, segundo a Human Rights Watch. As recomendações incluem:

 

  • Aplicar com rigor a Resolução SSP-05 e o POP que a regulamenta para assegurar que policiais apenas removam vítimas de confrontos da cena do crime em circunstâncias expressamente previstas;
  • Editar protocolo para garantir a salvaguarda e a análise das roupas das vítimas de confrontos com a polícia, que podem ser fonte essencial de prova;
  • Exigir que policiais notifiquem imediatamente promotores, incluindo os membros do GECEP, sobre fatalidades resultantes de confrontos com a polícia;
  • Fortalecer o GECEPcom mais servidores e recursos para que esta unidade possa monitorar minunciosamente os inquéritos sobre mortes decorrentes de intervenção policial imediatamente após a sua ocorrência;
  • Assegurar que denúncias sejam efetivamente apresentadas nos casos em que as investigaçõesconduzidas ou monitoradas pelo GECEP levantem provas suficientes de ilegalidade na conduta policial.

 

Em um relatório de 2009 intitulado “Lethal Force”(Força Letal), a Human Rights Watch documentou 16 casos de São Paulo (e 35 do Estado do Rio de Janeiro) em que a polícia aparentemente executou pessoas e informou que as vítimas haviam morrido em confrontos.“O governador Alckmin e o Ministério Publico adotaram medidas importantes para lidar com o grave problema de execuções policiais e acobertamentos em São Paulo”, disse Vivanco. “Porém, se não reforçarem essas medidas por meio do fortalecimento do papel dos promotores e da preservação de provas importantes nos chamados ‘confrontos’, essa prática terrível continuará”.

 

Human Rights Watch – Carta Aberta ao Governador Alckmin e Procurador-Geral de Justiça Márcio Rosa sobre Violência Policial

 


 

Fonte: Human Rights Watch

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