Ícaro Silva: ‘Não existe status social que vai te tirar da sua situação de afrodescendente no Brasil’

No ar em ‘Verão 90’ e em ‘Coisa mais linda’, ator fala sobre infância na periferia, violência policial e sexualidade: ‘sou Ícarossexual’

por Luiza Barros no O Globo

Ícaro Silva: em entrevista, o ator Icaro Silva conta toda sua trajetória e fala sobre racismo, sexualidade e otimismo em tempos de crise Foto: Ana Branco / Agência O Globo

Assim como o mito grego com quem compartilha o nome, o ator Ícaro Silva sempre sonhou alto. Agora, aos 32 anos, ele diz estar colhendo os frutos do que plantou lá atrás, quando despontou na TV em “Malhação”. No ar na novela das 19h da TV Globo, “Verão 90” , como o cantor de lambada Ticiano e na série da Netflix “Coisa mais linda” , como o músico Capitão, ele também está em cartaz com o espetáculo “Ícaro and the black stars” , que fica no Teatro Carlos Gomes até 2 de junho e depois passa por Belo Horizonte e São Paulo. E no cinema, ele pode ser visto em “45 dias sem você” , comédia romântica gay que é o primeiro longa de uma trilogia do diretor Rafael Gomes.

Na entrevista a seguir, Ícaro fala sobre esses trabalhos, sexualidade (“sou Ícarossexual”, ele brinca), sua infância na periferia de Diadema, no ABC paulista, e sobre a violência no Rio de Janeiro — no ano passado, ele foi ferido por estilhaços de bala quando passava de carro pelo Túnel Zuzu Angel .

Otimismo

“O “Ícaro and the black stars” é a história de um cara que sonha muito, muito alto. Eu sou um megalomaníaco. E se a gente pensar que eu sou um garoto que veio de um barraco de madeirite, morando em chão de terra batida, e que hoje estou aqui, no Sheraton (hotel em São Conrado onde a entrevista aconteceu) , dando entrevista para O GLOBO, a gente vê que os sonhos realmente têm valor. O otimismo está na nossa necessidade de resolver as coisas. Estou atento ao que são trevas, mas estou muito mais preocupado em construir uma narrativa positiva para os jovens pretos que se identificam comigo.”

Ícaro Silva: ator brilha na TV, no cinema e nos palcos

Ícaro Silva no musical ‘Ícaro and The Black Stars’ Foto: Igor Mota / Divulgação

Ícaro Silva no musical 'Ícaro and The Black Stars' Foto: Igor Mota / Divulgação

Ícaro Silva no musical ‘Ícaro and The Black Stars’ Foto: Igor Mota / Divulgação

Ícaro Silva e Rafael De Bona no filme ’45 dias sem você’ Foto: Divulgação

Infância e favela

“Passei em Diadema a maior parte da infância. Minha mãe é pernambucana, meu pai, baiano, e foram para São Paulo para tentar a vida. Meu pai trabalhava numa biblioteca como segurança e trazia livros para mim e minha irmã. Com quatro anos de idade, aprendi a ler e comecei a escrever meus próprios livros. Eu era uma criança da favela, mas não tinha muito contato com as outras crianças. Minha mãe nos criou num “barraco-redoma”.  Até hoje, o estado brasileiro é assassino de gente preta. A gente não brincava na rua, e o motivo ficou claro no decorrer da nossa adolescência, porque as outras crianças foram sendo assassinadas, sendo cooptadas pelo tráfico ou sendo vítimas das clássicas chacinas nos anos 90.”

O ator Ícaro Silva posa no Hotel Sheraton, em São Conrado, no Rio Foto- Ana Branco : Agência O Globo

Violência policial

“Tento não dar vazão ao medo. Tenho medo do Rio de Janeiro. Mas sigo aqui porque sinto que somos a resistência dessa cidade. Existe um lugar muito perigoso e que muitos artistas negros como o Simonal (que Ícaro interpretou em “S’imbora, o musical”) compraram, que é o mito de que somos parte da branquitude. Não existe, carro, roupa, status social que vai te tirar da sua situação de afrodescendente no Brasil. Eu estava em São Conrado, num Nissan Kicks, último modelo, meu iPhone 8 do meu lado e eu fui alvejado pela polícia pela cor da minha pele. Não tem qualquer outra explicação. Por que o policial vai te ver nessa situação, sem armas, sem drogas, e decidir mesmo assim atirar em você?”

Sexualidade

“Me considero sexualmente livre e isso significa que me identifico com o LGBTIQ. Eu me vejo aberto a sexualidades e aos gêneros, não me vejo rotulado. Tem a letra I (na sigla LGBTIQ) , mas eu sou o I de “Ícarossexual” (risos) . Existe uma tentativa de rotularem as pessoas e cada um de nós é uma potência individual. A minha sexualidade é só minha, é importante que a gente se entenda como poder individual.”

Ícaro Silva- Ticiano em ‘Verão 90’, ele ainda pode ser visto no teatro e no cinema Foto- Ana Branco : Agência O Globo

Ticiano, o rei da lambada

“Dentro de um contexto de rótulos, o Ticiano (personagem de Ícaro em ‘Verão 90’)   vai causar controvérsia. O Ticiano é um hétero que rebola e usa top cropped, está com a barriga de fora o tempo t

odo. Isso não interfere na sexualidade dele. Eu acho que isso tem a ver com essa individualidade. Pode ser que você nunca me veja beijando um homem na rua, mas eu não quero nunca estar fechado a essa possibilidade, de beijar ou casar com quem quer que seja. Acho que toda pessoa no mundo é assim, mas nós vamos sendo achatados e aceitando caixinhas.”

‘Coisa mais linda’

“Eu acho que a série tem uma estética que não se propõe realista. Não acho que o morro esteja romantizado, mas eu entendo que ele esteja muito bonito e talvez não seja a nossa realidade. Ao mesmo tempo, acho que está muito bem inserido na estética da série. E gosto de como o contexto da família do morro é apresentado. Gosto de ver que as relações deles estão sendo construídas. A dramaturgia brasileira ainda está atrasada nesse sentido: qual é a afetividade do povo da favela para além do tiroteio, do sofrimento?”

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