por Leonardo Sakamoto
Você comprou uma TV LED de 60 polegadas e, por isso, sente-se – finalmente – no mesmo patamar dos seus vizinhos que já tinham uma em casa. Consegue se enxergar como um cidadão como nunca antes. Mas está endividado por ter que pagar o plano de saúde mequetrefe que te deixa na mão (porque subiu um pouco na vida, não é mais “pobre” e não quer enfrentar a fila do SUS).
E, ao mesmo tempo, com a corda no pescoço pela dívida contraída com a sua faculdade caça-níqueis de qualidade duvidosa (educação básica universalizou, mas a qualidade não acompanhou). Afinal, você não tinha dinheiro para pagar um colégio particular e, portanto, não conseguiu entrar em uma universidade pública para fazer aquele sonhado curso de medicina.
Você acredita que qualidade de vida significa apenas ter acesso a eletrodomésticos, carros populares e iogurte?
De acordo com relatório divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), nesta quinta (24), o Índice de Desenvolvimento Humano Brasil subiu (0,744) e superou a média da América Latina e Caribe. Mas o país ainda ocupa o 79º lugar no ranking mundial com 187 países. A desigualdade de renda e de oportunidades ainda impedem que avancemos mais rapidamente no acesso à saúde e à educação de qualidade – elementos considerados na construção do indicador.
Fazemos parte do seleto grupo de países ricos com altíssima concentração de riqueza e respeito insuficiente aos direitos humanos. Situação que não vai mudar tão cedo, tendo em vista que a estrutura que a sustenta muda muito lentamente. Não importa o quão forte torturemos os números, fazendo leituras descontextualizadas, para acelerar o processo.
Na média, o Brasil é um país rico. O problema é que ele continua na mão de poucos: a) O PIB sobe (mesmo que menos que o esperado) e fluiu mais para as mãos dos que puderam comprar ações do que daqueles que dependeram de salário mínimo ou de programas de distribuição de renda; b) A educação está sendo universalizada – contudo a extensão de sua abrangência não é acompanhada pela sua qualidade, nem de longe; c) Vive-se mais, mas não necessariamente melhor. Posso debater com quem discorda disso na fila de um hospital público enquanto aguardamos uma consultinha.
Quando tratamos do tema por essa ótica, sempre aparece a cantilena que “a população tem que entender que o crescimento vai beneficiar a todos. Não agora. Em algum momento”. Os economistas da ditadura falavam a mesma coisa, mas de uma forma diferente, algo como “é preciso primeiro fazer o bolo crescer, para depois distribui-lo”. Por isso, apesar de você ter ajudado a produzir o doce tira a mão dele que não é hora de você consumi-lo. Hoje, são alguns que vão comer. Vai chegar a sua vez de provar do bom e do melhor. Algum dia.
Considerando que a desigualdade social por aqui, que cai ano a ano, continua uma das altas do mundo, percebe-se o tipo de resultado dessa fórmula. O melhor de tudo é o tom professoral (“A população tem que entender”), como se o especialista fosse um ser iluminado, dirigindo-se para o povo, bruto e rude para explicar que aquilo que sentem não é fome. Mas sim sua contribuição com a geração de um superávit primário para que sejam honrados os compromissos do país. Agora, fazer uma auditoria da dívida brasileira que é bom, governo nenhum, tucano ou petista, topou fazer.
O debate sobre desenvolvimento é uma discussão sobre a qualidade de vida. Que só será efetivo caso não exclua a população mais pobre dos benefícios trazidos por ele e não seja resultado da dilapidação dessa mesma população. A pergunta que temos que fazer é: estamos conseguindo dividir o bolo, não por igual, mas com ênfase em quem mais precisa por ter sido historicamente dilapidado?
Estamos conseguindo diminuir a concentração de renda na maior velocidade possível ou poderíamos ir além e implementar medidas para que não apenas os filhos dos mais pobres usufruam de uma boa vida em um futuro distante, mas eles próprios, aqui e agora? Pois esse é o tipo de situação em que não dá para perder peões a fim de ganhar o jogo.
Você se importa com tudo isso ou se preocupa apenas em comprar um home theater para a sua TV nova?
Fonte:Blog do Sakamoto