A desigualdade racial no Brasil é enorme, qualquer que seja a dimensão considerada –renda, educação, vitimização ou saúde, para citar algumas das mais importantes.
Elas estão profundamente arraigadas em nossa sociedade e são muito persistentes. Isso aparece, por exemplo, na baixíssima mobilidade social entre gerações: crianças de famílias pobres dificilmente ascendem socialmente e as de famílias ricas dificilmente caem de posição.
Como a população negra é maioria nos extratos mais baixos de renda, ela é a mais afetada por essa armadilha de pobreza. E antes que se diga que isso é uma questão social e não de raça: crianças negras têm menor probabilidade de ascender socialmente do que crianças brancas com o mesmo nível de renda familiar. Isso é verdade até nos extratos mais ricos da população.
Há inúmeros fatores que explicam a desigualdade racial existente hoje e sua persistência ao longo do tempo. Para uma visão do processo histórico que nos trouxe até aqui, eu recomendo fortemente o podcast do Projeto Querino.
Aqui nesse espaço, eu vou destacar apenas três fatores que atuam por meio do mercado de trabalho. Primeiro, a discriminação, que faz com que duas pessoas igualmente produtivas recebam remunerações diferentes apenas pela cor de sua pele.
Segundo, a desigualdade na quantidade e qualidade da educação adquirida antes de entrar no mercado de trabalho. Diversos obstáculos ao acesso à educação, especialmente de qualidade, fazem com que as pessoas negras cheguem em ampla desvantagem no mercado de trabalho.
Terceiro, normas sociais que dificultam o ingresso em carreiras de maior prestígio e remuneração. Por exemplo, a proporção de pessoas negras com ensino superior cresceu fortemente nos últimos 20 anos, mas elas ainda representam a minoria em carreiras tradicionais como direito e medicina.
A remoção das diversas barreiras enfrentadas pela população negra é uma questão fundamental para o desenvolvimento social e econômico do país.
O fato de metade da população ser colocada em desvantagem de forma tão sistemática e estrutural faz com que o país desperdice talentos e utilize seus recursos humanos de forma ineficiente, gerando enormes perdas de produtividade.
Para dar uma ideia do tamanho potencial desse prejuízo, um estudo recente mostra que se os EUA não tivessem reduzido os diferentes obstáculos enfrentados por negros e mulheres desde a década de 1960, o crescimento do PIB per capita teria sido de 20 a 40% menor no período.
Em particular, o estudo mostra que o maior acesso à educação por parte desses grupos, bem como às ocupações antes inacessíveis para eles, teve um papel fundamental nesse processo.
O que podemos concluir disso tudo? Primeiro, maior igualdade de oportunidades e erradicação da desigualdade racial não é “apenas” uma questão de justiça social, mas de desenvolvimento econômico.
A sua perpetuação é sintoma e causa do nosso atraso, prejudicando todo o país para benefício de uma minoria. Segundo, o campo está tão desnivelado contra a população negra que é possível reduzir a desigualdade racial e obter ganhos de eficiência econômica ao mesmo tempo.
Terceiro, uma das vias mais promissoras para atingir esse duplo objetivo é continuar aumentando as oportunidades de investimento em educação, mas também aumentar o acesso a ocupações tradicionalmente “brancas”. Por fim, não fazer nada é uma escolha ativa de perpetuar a desigualdade, pois as forças sociais e econômicas vigentes atuam na direção de mantê-la, e não de reduzi-la.
O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço “Políticas e Justiça” da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Gabriel Ulyssea foi “Negro Drama”, de Racionais MC’s.