Sem terra, escola ou respeito, ‘os intocáveis’ são discriminados de todas as formas e, na maior parte das vezes, impedidos de buscar qualquer ascensão
E sua morte começou a sacudir esse país imenso, dividido e cheio de deuses e de religiões.
“Gente maltrapilha”, gente sem direitos
Os dalit (ou “gente maltrapilha”, como seria sua tradução direta do hindu) são, na verdade, um conglomerado de grupos sociais, tradições e ofícios milenares que, segundo a religião hindu, estão formados pelas pessoas que estão mais baixo na escala social, religiosa e econômica, sem direito a nada: nem terra, nem escola, nem respeito. Ainda assim, nessa rigidez hierárquica, o mais famoso entre eles, o Dr. B. D. Ambedkar, foi o principal redator da Constituição indiana e um severo crítico de Gandhi, com quem polemizou durante muitos anos. Para sua gente, é um herói quase mítico.
Por isso, a grande maioria das organizações dalit na Índia têm Ambedkar em algum lugar, no nome ou no logotipo. Como a Associação de Estudantes Ambedkar (ou ASA), da Universidade de Hyderabad, que Rohith Vemula liderou com entusiasmo durante um tempo para ajudar estudantes como ele.
A vida de um estudante de uma casta baixa nessa universidade nunca foi fácil. Pulyla Raju, que se suicidou em 2013 ao não poder avançar em seus estudos (perseguido por companheiros e professores) ou Sunitha, que se suicidou grávida, em 2007, quando o jovem de uma casta privilegiada que a seduzia se negou a se casar com ela por ser de outra casta e zombou dela até depois da morte, sabiam bem disso. Assim como os 10 estudantes dalit que, nos anos 1980, foram suspensos por “contaminar” as aulas e nunca mais puderam voltar a estudar.
Da mesma forma que acontece em Délhi e Mumbai, os estudantes dalit são discriminados sistematicamente na Universidade de Hyderabad. Negam-lhes comer nos refeitórios das universidades (para não “contaminar” os pratos e os copos), batem em seus companheiros de outras castas e os professores, com boas maneiras, humilham-nos nas aulas explicando que o conhecimento não está seu alcance, como revelou uma pesquisa do doutor Narayan Sukumar, acadêmico da Universidade Jawaharlal Nehru, em Délhi, que fez seu mestrado em Hyderabad.
É comum inscreverem contra eles insultos nas paredes e no Facebook, como fez há alguns meses Susheel Kumar, dirigente estudantil de uma casta alta e sobrinho de um conhecido político do partido Bharatiya Janata, o partido do primeiro-ministro Narendra Modi. Os insultos de Kumar não passaram despercebidos para Rohith Vemula e os membros da ASA, que o confrontaram com um protesto. O covarde aceitou eliminar seus posts e tudo pareceu voltar à aparente normalidade na Universidade de Hyderabad.
Mas, no dia 4 de agosto, Susheel Kumar decidiu acusar os membros da ASA de agredi-lo e feri-lo. A denúncia teve uma resposta imediata das autoridades universitárias, em particular do vice-reitor Appa Rao. Os cinco estudantes dalit ativistas foram suspensos em agosto de 2015 e a sua “vítima” seguiu sua rotina, mas Rohith e o seu grupo protestaram até que a universidade formou uma comissão para investigar o caso.