Territórios negros no carnaval globalizado

Em todo o Brasil, mulheres e homens negros desenham territórios na festa que um dia lhes pertenceu integralmente

Por Cidinha da Silva, do Revista Fórum
É de mará… é de maracá…

É Naná Vasconcelos regendo o cortejo das nações de maracatu na abertura do carnaval de Recife, como faz há mais de uma década. Mas, aquele que seria tratado como rei em qualquer lugar do mundo, este ano reclamou da falta de atenção e de não ser convidado pela prefeitura para participar da coletiva de imprensa pré-carnaval, organizada para as principais atrações da festa de Momo.

Os maracatus são a voz aos candomblés na Noite dos tambores silenciosos. Demarcam espaço para a tradição num carnaval massificado a cada fevereiro pela indústria da cultura.

Em Curitiba, os negros vestem as fantasias, orgulhosos, enquanto trafegam no transporte público rumo ao desfile das escolas de samba. E quem é de fora se pergunta onde aquelas pessoas todas são escondidas nos outros dias do ano?

Nos blocos renascidos no carnaval das alterosas a partir do movimento Praia da Estação, uma oposição ao prefeito que negligencia a aspiração mundial de direito à cidade, parecia não haver lugar confortável para os negros. Como resposta, alguns negros criaram o Bloco Afro Angola Janga.

Também como demarcadores de espaços negros no carnaval de BH surgiram o Afoxé Bandarê, o Magia Negra e o Dreadbloco.

As protagonistas são pessoas para as quais as perucas de cabelo black power não são adereço de carnaval usado por brancos para ridicularizar os negros, mas, elementos identitários escolhidos por negros para se fortalecerem.

Em São Paulo tem É di Santo, música e dança de matrizes africanas e afro-brasileiras, feitas por gente negra na Zona Sul da cidade, área de nordestinos forrozeiros e dos Racionais rapeiros.

Tem Rolezinho das Crioulas na Vila Madalena. Ocupação proposta por empreendedora negra que promove o próprio negócio (afinal, as pretas também têm direito a um quinhão na indústria cultural) e, de quebra, oferece espaço de gala para aqueles que no restante do ano trabalham com a música para divertir o público frequentador da princesinha cult dos paulistanos.

Tem, acima de tudo, as mulheres do Ilu Obá de Mim que tocam tambores para Xangô pelo centro da cidade e homenageiam mulheres negras a cada ano, lideradas por duas delas, Bete Bele e Adriana Aragão.

Neste ano, a corte de 300 percussionistas e dançarinas do Rei de Oyó toca para Elza Soares, a pérola negra, a voz do milênio.

E assim, como podem, mulheres e homens negros desenham territórios na festa que um dia lhes pertenceu integralmente.

+ sobre o tema

Artista aponta racismo de polícia em investigação sobre mural com pichação

Dono da obra intitulada “Deus é Mãe”, que está...

“Segurança pública no Brasil é pautada pelo modelo da guerra”

O ano de 2016 representou um retrocesso na questão...

Racismo é um impedimento ao desenvolvimento econômico brasileiro

Durante muito tempo a “branquitude” – o privilégio que...

para lembrar

Versace é processada por usar “código” quando clientes negros entram em loja

Um ex-funcionário da Versace nos Estados Unidos entrou com...

‘Fui confundida com prostituta na minha lua de mel’

A servidora pública Mônica Valéria Gonçalves, de 47 anos,...

Literatura infantil para incentivar a autoestima em crianças negras

A escritora Taís Espírito Santo lança o livro infantil...

Para transformar o invisível

Perfilando acadêmicos negros Por  Túlio Custódio. da Revista Raça Reprodução/Facebook Tema da invisibilidade...
spot_imgspot_img

Cinco mulheres quilombolas foram mortas desde caso Mãe Bernadete, diz pesquisa

Cinco mulheres quilombolas foram mortas no Brasil desde o assassinato de Bernadete Pacífico, conhecida como Mãe Bernadete, em agosto do ano passado. Ela era uma das...

Independência forjou nação, mas Brasil mantém lugares sociais de quem manda

Em pleno dia em que celebramos a independência do Brasil, vale questionarmos: quem somos enquanto nação? A quem cabe algum direito de fazer do...

Os outros

O que caracteriza um movimento identitário é a negação de princípios universais somada à afirmação de um grupo de identidade como essencialmente diferente dos "outros" e...
-+=