Iniciativa da sociedade civil resgata legado da Conferência de Durban contra o Racismo 

Encontro internacional na África do Sul realizado há 21 anos é considerado histórico na luta de africanos e afrodescendentes contra o racismo contemporâneo e as sequelas do colonialismo 

Sem ação política coletiva não é possível alcançar transformações sociais que conduzam à efetivação de uma sociedade mais justa e igualitária. Essa é uma das inspirações da III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, realizada em 2001, em Durban, na África do Sul, e considerada histórica na atuação política dos movimentos, em especial dos movimentos negros e de mulheres negras. Resgatar esse legado, reaver o compromisso assumido pelo Brasil e sensibilizar a sociedade sobre a importância do debate realizado estão entre os objetivos da Articulação de Resgate e Reforço da Agenda de Durban, composta por Criola, Geledés – Instituto da Mulher Negra e Comunidade Bahá’í do Brasil, com apoio da Coalizão Negra por Direitos e do Instituto Raça e Igualdade. 
  
Por meio de ações de comunicação no contexto eleitoral e de mudança de governo no País, o grupo pretende reforçar a urgência da agenda de Durban na elaboração e aperfeiçoamento de políticas públicas brasileiras e na reparação histórica estrutural. Isso envolve políticas de erradicação da pobreza e de enfrentamento ao racismo nas políticas de segurança pública e de saúde, bem como no enfrentamento ao racismo religioso e às iniquidades raciais no acesso a todos os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, com especial atenção às interseccionalidades e às pessoas vítimas de múltiplas opressões e discriminações. 
  
“Vale lembrar que, ainda que a agenda de Durban seja essencial para pensar em ações de âmbito racial, a implementação ao longo dos últimos anos, no Brasil e internacionalmente, ainda se deu de forma tímida e parcial. Seu resgate neste momento de ascensão da opressão racial frontal e da violência explícita é um dos caminhos para elencar quais políticas, ações, reparações e processos devem ser efetivados para enfrentar as desigualdades raciais”, destaca Lúcia Xavier, coordenadora geral de Criola.

  
Outras iniciativas 
  
A Articulação de Resgate e Reforço da Agenda de Durban já foi responsável pelo lançamento no ano passado do livro “Brasil e Durban, 20 anos depois” (Centro de Documentação e Memória Institucional de Geledés), com a proposta de dialogar com novas gerações sobre o processo de construção do Plano de Ação de Durban e de relatar o impacto da organização política das mulheres negras brasileiras na construção daquele documento. 
  
Mais recentemente, em agosto de 2022, o grupo contribuiu com o Fórum Permanente de Afrodescendentes da ONU, através do envio de recomendações para a redação da Declaração das Nações Unidade pelo Resgate e Reforço da Agenda de Durban. Além destas produções, está em elaboração o Relatório Sombra sobre a situação histórica e atual do racismo e da discriminação racial no Brasil. Este documento será entregue ao Comitê pela Eliminação da Discriminação Racial das Nações Unidas (CERD). 

“O documento representa um esforço da sociedade civil do País em resgatar os resultados de Durban, anunciados há 20 anos, para que finalmente possamos colocar um ponto final nos retrocessos que tivemos nos últimos anos que impactam na vida de 56% da população brasileira. O avanço dessas políticas nesse momento se torna imprescindível como nossa agenda para o futuro próximo”, afirma Rodnei Jericó, advogado e coordenador do SOS Racismo do Geledés.

  
O Brasil e Durban  
  
A III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Intolerâncias Correlatas foi uma oportunidade para os Estados-membros das Nações Unidas assumirem o compromisso de realizar as reparações históricas necessárias, além de garantir o respeito à dignidade humana dos povos submetidos às barbáries coloniais, especialmente a população africana e afrodescendente. 
  
Apesar de sua realização em 2001, no Brasil essa ação vinha se desenhando desde a marcha Zumbi dos Palmares, ocorrida em Brasília em 1995. Ideia que foi fortalecida com a criação da Aliança Estratégica Afro Latino-americana e Caribenha, em 1997, e que teve seu ápice de preparação na Conferência de Santiago (2000). Esse processo histórico possibilitou uma articulação inédita da população afro latino-americana e caribenhos, que passou a pautar a realização de uma conferência estratégica para o futuro das relações raciais no mundo. 
  
Com o encontro de Durban, o movimento de mulheres negras latino-americanas se uniu em uma ação política de peso, tornando-se o movimento político que mais impactou de Santiago à Durban. Não é exagero afirmar que, sem as mulheres negras, principalmente as afro latino-americanas e caribenhas, os frutos de Durban seriam menores. 
  
No Brasil, os processos prévios e pós Durban renderam vários frutos colhidos graças à pressão da sociedade civil sobre o governo. Dentre eles, destacam-se as primeiras políticas de cotas no Ministério do Desenvolvimento Agrário, a criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), as cotas nos serviços públicos e nas universidades, o Estatuto da Igualdade Racial, os programas de ação afirmativa, entre outros. Internacionalmente, a Conferência possibilitou acordos entre Estados nas áreas de investimento e saúde, além de mudanças nas legislações nacionais e políticas para o enfrentamento ao racismo. 

Saiba mais

Publicação Brasil e Durban 20 anos depois: https://www.geledes.org.br/wp-content/uploads/2021/08/brasil-e-durban-20-anos-depois.pdf

Criola: www.criola.org.br
Geledés – Instituto da Mulher Negra: https://www.geledes.org.br/
Comunidade Bahá’í do Brasil: https://www.bahai.org.br/
Coalizão Negra por Direitos: https://coalizaonegrapordireitos.org.br/
Instituto Raça e Igualdade: https://raceandequality.org/

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