Iniciativas dentro e fora dos partidos buscam fortalecer candidaturas negras

A onda de protestos antirracistas que se espalhou por diferentes países fortaleceu ações dentro e fora dos partidos que buscam aumentar o número de candidaturas negras competitivas nas eleições municipais. Para isso, uma demanda é trazer mais recursos para essa parcela de candidatos.

Embora representem pouco mais da metade da população do país, segundo o IBGE, os negros —pardos e pretos— seguem sub-representados nos mandatos eletivos.

Nas eleições municipais de 2016, levantamento feito pela Folha mostra que as candidaturas negras para vereador somavam 48% dentre os mais de 437 mil aptos na disputa. Entre os eleitos, esse percentual caiu para 42%. Entre os pretos, apenas 5%.

Na Câmara de São Paulo, por exemplo, as 55 vagas de vereador foram disputadas por mais de 1.200 candidatos, 32% negros. Entre os eleitos, porém, eles foram apenas 18%.

O sociólogo e professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Luiz Augusto Campos aponta o financiamento e o acesso a grandes partidos como os principais obstáculos para que mais negros sejam eleitos.

“Os candidatos pretos e pardos têm acesso a menos financiamento e recursos de campanha. O financiamento envolve basicamente dinheiro, mas também um recurso importante, que é o tempo de televisão”, diz ele, que também faz parte da coordenação do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa.

A ausência de negros em postos de poder e a necessidade de incentivar mais candidaturas negras ficou ainda mais evidente para o presidente do MDB Afro, Nestor Neto, a partir do momento em que Michel Temer (MDB) assumiu a Presidência em 2016, após o impeachment de Dilma Rousseff (PT).

Segundo ele, o partido estima lançar mais de 2.500 candidatos negros para vereador e cerca de 100 a prefeito neste ano. No dia 21 de julho, o núcleo lançou o programa “Vidas e sonhos negros importam”, com eixos a serem debatidos por todos os integrantes e pré-candidatos do MDB ao longo do mês de agosto.

O documento com a proposta deve ser entregue em setembro a todos os candidatos da legenda, como uma forma de compromisso com a agenda para o mandato, explica Nestor, que é pré-candidato a vereador em Salvador.

No PT, a secretaria nacional de combate ao racismo, presidida por Martvs Chagas, realizou encontros regionais de formação online, tanto em questões políticas como de comunicação e aspectos jurídicos, com pré-candidatos negros de todos os estados. Eles somam cerca de 35% dos mais de 18 mil inscritos para a disputa eleitoral pelo site da legenda até o momento e podem crescer.

“Nosso objetivo é dizer para os candidatos que uma pauta como essa é também civilizatória. O Brasil jamais poderá se constituir enquanto nação enquanto tivermos esse absurdo de desigualdade social e racial que nós temos.”

Uma preocupação comum dos dois líderes é fazer com que os partidos invistam mais nesses candidatos. Nestor, que já disputou seis eleições, metade delas sem receber nenhum recurso da sigla, diz que esse é um dos fatores que prejudicam os candidatos.

“Não dá pra pegar um candidato e não dar estrutura. Se não, vai ser candidato tampão. Nossas candidaturas não têm apoio do fundo partidário. Nesta eleição, nós queremos”, diz, informando que encaminhou para a presidência do partido o pedido de 5% dos fundos para candidaturas negras.

Martvs diz que no PT há uma proposta de destinar um percentual de recursos para candidaturas das secretarias nacionais da sigla, com um valor maior para negros, LGBTs e jovens.

Também deve circular entre os petistas um abaixo-assinado para que a legenda, que tem o maior montante do fundo eleitoral, distribua os recursos de forma proporcional para candidaturas negras.

O tema está em discussão no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a partir da consulta feita pela deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ). Pré-candidata do partido à prefeitura carioca, ela questionou se metade da cota de 30% do fundo eleitoral poderia ser distribuída para mulheres negras, assim como tempo de propaganda. Não está claro, porém, se uma eventual decisão valeria já para a eleição deste ano.

O julgamento na corte foi interrompido com um pedido de vistas do ministro Alexandre de Moraes no final de junho, após o presidente e relator, Luís Roberto Barroso, ter se posicionado de forma favorável ao pedido, no que foi seguido por Edson Fachin.

Para pressionar pela retomada da discussão, o Instituto Marielle Franco, ao lado das organizações Educafro, Coalizão Negra por Direitos e Mulheres Negras Decidem, lançou a campanha ‘Eleições Antirracistas’ , que já enviou mais de 8.000 emails para cada ministro.

Diretora executiva do instituto e irmã da vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada em março de 2018, Anielle Franco diz que se o TSE aprovar a divisão proporcional, a segunda etapa da campanha será cobrar a aplicação junto aos partidos.

“É uma grande oportunidade num ano marcado por esse levante negro e sabemos que faltam recursos tanto financeiros quanto de segurança, que vão impactar nas candidaturas de pessoas negras”, diz.

Dados da pesquisa ‘Democracia e representação nas eleições de 2018’, desenvolvida pela FGV Direito, mostram a desvantagem de mulheres e homens negros que disputaram o cargo de deputado federal em termos de recursos.

No caso das mulheres, as brancas eram 18,1% das candidatas e ficaram com 16,2% da receita, enquanto as negras eram 12,9% e receberam 5,7%. Entre os homens, os brancos eram 43,1% dos candidatos e receberam 61,4% da verba, enquanto os negros eram 26% e tiveram 16,7% dos recursos.

A professora Luciana Ramos, uma das coordenadoras do estudo, diz que a pesquisa começou inicialmente com um olhar apenas para a questão de gênero, mas a mudança na regra de financiamento evidenciou a desigualdade racial na distribuição dos recursos.

“Essa inversão no meio do gráfico é muito significativa, porque efetivamente mostra que o movimento feminista, que pensa mulheres na política institucional e que muitas vezes é marcado por mulheres brancas e privilegiadas, teve êxito e o que ficou de lado foi o movimento negro”, diz Luciana, apontando a necessidade de tratar o tema de forma interseccional.

Os dois especialistas ouvidos pela Folha aprovam a iniciativa do TSE de debater o assunto, mas apontam que só a decisão não será suficiente para fazer com que os partidos cumpram o que ficar estabelecido, apontando como exemplo as mudanças que precisaram ser feitas para que a lei de cotas femininas passasse a ser seguida pelas legendas.

Campos diz que é preciso mudar a estrutura dos partidos para alterar a lógica de distribuição do dinheiro.

Como possíveis caminhos, Luciana sugere o estabelecimento de sanções às siglas que desrespeitarem as regras ou, por outro lado, o incentivo de uma fatia maior de recursos aos partidos que conseguissem eleger mais mulheres negras, por exemplo.

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