Durante a pandemia do COVID-19 o Instagram virou uma janela para o mundo. Por meio da transmissão de vídeos em tempo real, as lives, aproximou celebridades, marcas, intelectuais dos seus públicos. Os brasileiros foram produtores ativos de conteúdo nesta plataforma – na qual são a terceira maior audiência. Na frenética agenda de lives disponíveis, os shows diários da cantora Teresa Cristina ganharam destaque. A artista fez uma curadoria de conteúdo e reuniu um público crescente. Após seis meses ininterruptos de apresentações, Teresa sofreu ataques de hackers e teve que interromper o diálogo com os seus fãs. A negligência do Instagram diante das invasões motiva uma reflexão sobre o princípio da neutralidade da rede e sobre a liberdade de expressão.
Teresa é carioca, negra, moradora da Vila da Penha e uma enciclopédia da música brasileira. Cantando à capela, a sambista “aglomerou” digitalmente convidados como Gilberto Gil, Chico Buarque, Caetano, Zeca Pagodinho, Alcione, Lula e Conceição Evaristo. Artistas de diferentes sotaques também usaram a larga audiência da compositora para promover músicas autorais. Teresa teve um crescimento orgânico expressivo e foi aclamada como a rainha das lives. O título foi reconhecido pela mídia e incluiu uma histórica capa na revista Vogue e os primeiros patrocínios em trinta anos de estrada.
As lives da Teresa criaram um espaço de acolhimento com arte, política, religiosidade e cultura para empoderar o povo preto, as mulheres e tantos outros brasileiros. Essa agenda progressista despertou haters capazes de burlar a segurança do conglomerado digital de Mark Zuckerberg – dono do Facebook e proprietário do Instagram desde 2012. Este mesmo aplicativo com mais de 1 bilhão de usuários ativos no mundo não foi capaz de garantir o retorno seguro das lives de Teresa Cristina em seu perfil, até meados de novembro. Teresa passou a ocupar perfis de outras celebridades brasileiras no Instagram para realizar, sem interrupção, suas apresentações.
A lentidão com a qual o grupo Facebook tem abordado o caso da cantora brasileira fere o princípio da neutralidade da rede e ameaça o direito constitucional à liberdade de expressão. Simplificadamente, a neutralidade da rede significa que o tráfego da internet deve ser tratado igualmente, sem discriminação ou interferência independente do tipo de conteúdo. Esta empresa privada americana tem ignorado sucessivas reclamações da artista, dos seus seguidores e de outras celebridades brasileiras (com ampla base de seguidores) sobre as invasões ocorridas. Este episódio demonstra não só o impacto de atores externos no direito à liberdade de expressão de brasileiros, garantido pela Constituição de 1988, mas também evidencia uma seletividade preocupante com a visibilidade de temas de interesse da cultura e identidade nacional e o seu respectivo alcance junto aos 91 milhões de cidadãos usuários do Instagram no Brasil.
Pâmela Pinto
Jornalista, professora e pesquisadora de Comunicação Social.