Isabel assinou a Lei Aúrea possível, não uma falsa abolição

Sobreviventes têm regado com sangue, suor e lágrimas a luta contra o racismo nos 438 mil dias seguintes ao 13.5.1888. Assim “fazemos a hora”, “que como as dunas, ninguém pode segurar”, de colocar racistas de todos os matizes e o Estado brasileiro, outra vez, “nas cordas”.

 

Por Fátima Oliveira

Há 120 anos, em 13 de maio de 1888, a princesa regente Isabel sancionou a Lei Áurea: “Art. 1°: É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil. Art. 2°: Revogam-se as disposições em contrário.” O Dia da Abolição da Escravatura, hoje também Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo, oficializou o fim da escravidão negra.

Encanta-me a sabedoria dos “negros de raízes” que jamais deram bola para críticas sobre as feéricas “festas de pretos”, no 13 de maio, celebrando o fim do cativeiro, e não a princesa! Relembro as festas da “União” (Colinas, MA), um clube de pretos. Eu apreciava de longe os acordes mágicos da orquestra. Sob guarda do Colégio Colinense, eu não era a negra que optei ser depois. Era uma morena do “cabelo bom”. Precisa o racismo ser mais cruel?

Agregamos às celebrações do fim do cativeiro: reafirmar o definido na Conferência de Durban (2001); aprovar o Estatuto da Igualdade Racial; e, até a vitória da luta pelo acesso universal à escola de todos os graus, que exige o fim do vestibular, respeitar as cotas étnicas: um direito à reparação e um modo pedagógico de obrigar os brancos ao aprendizado de coletivizar privilégios seculares. Reafirmo: a conclusão do segundo grau é a única condição legal e a exigência moralmente sustentável para acesso à universidade!

São necessárias ousadia e honestidade intelectual na revisão da história para exibir a multiplicidade do real. Isabel não é A Redentora, como consta na história oficial, tentando suplantar e usurpar a peleja dos escravos, a resistência ao massacre cultural e o processo da campanha abolicionista, com seus limites, erros e acertos. Há novos dados que selam sua simpatia pela luta abolicionista e evidenciam que ela assinou a Lei Áurea possível, “nas cordas”, ainda inconclusa, e não uma falsa abolição. Mas a que foi possível oficializar, ainda que o simplorismo rasteiro diga que foi mero “respaldo de libertação jurídica”. A “Carta da Princesa ao Visconde de Santa Victória” e o uso do símbolo e senha abolicionista, a “camélia do Leblon”, em sua mesa de trabalho e em sua capela, além dos dois buquês de camélias que recebeu quando assinou a Lei Áurea, são signos de uma conjuntura de brechas, mas adversa. A lição: se faz política conforme as circunstâncias.

Exatos 90 dias separam a Lei Áurea do fim do Império e advento da República, tão insana para negros quanto o Brasil Colônia, que instaurou a escravidão, e o Império e suas leis que impediam o acesso dos escravos à escola (decreto complementar à Constituição de 1824) e à terra (Lei da Terra, de 1850, cuja posse, para negros, só era permitida via compra!). Em 1888, só 5% dos escravos eram cativos; 95% eram “forros” por seus próprios meios; a Lei Áurea, 16 anos após o último Censo do Império (1872), beneficiou 750 mil, do total de 1,5 milhão de escravos.

Se fosse apenas um seria válida, pois a libertação jurídica é a soleira da liberdade. Vale ressaltar que a insensatez do racismo republicano é tanta que nem sabemos quem, na República nascente, embolsou o dinheiro arrecadado pelo Império para comprar terras para os ex-escravos, do qual fala a carta da princesa: “do envio dos fundos de seo banco em forma de doação como indenização aos ex-escravos libertos em 13 de maio”.

Sobreviventes da escravidão negra têm regado com sangue, suor e lágrimas a luta contra o racismo nos 438 mil dias seguintes ao 13 de maio de 1888. Assim “fazemos a hora” de colocar racistas de todos os matizes e o Estado brasileiro, outra vez, “nas cordas”. Exigimos justiça étnica para quem construiu um país no lombo, em contraposição ao discurso mentiroso da democracia racial dos praticantes da fé bandida que é o racismo.

Fonte: O Tempo

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