Ivone Caetano é empossada como desembargadora do Tribunal do RJ

Magistrada é a primeira mulher negra a ocupar o cargo no estado

por Simone Candida/Gustavo Goulart, no Globo

Primeira mulher negra a se tornar juíza do Tribunal de Justiça do Rio, há 20 anos, Ivone Ferreira Caetano, de 69 anos, titular da 1ª Vara da Infância da Juventude e do Idoso, agora acumula um novo aposto ao seu nome: o de primeira desembargadora negra do estado. Nesta segunda-feira, ela tomou posse na nova função numa solenidade muito concorrida. Mesmo prestes a se aposentar, em setembro, quando completará 70 anos, Ivone se tornou desembargadora com serenidade e foi bastante aplaudida no plenário do Órgão Especial do TJ, onde, no início da tarde, elegeu-se para o cargo após sete disputas nos últimos dois anos.

— É um caminho comum para quem entra na magistratura. Só não acho comum que se dê tanta pontuação ao fato de ser uma mulher com características físicas diferentes. Isso eu acho grave. Há muito tempo que isso já deveria ter acontecido normalmente. Esse interesse é que é desagradável, tendo em vista que a minha raça há tantos anos vem sendo sacrificada. Em compensação, acho que pode ser um exemplo para que aqueles que estão chegando vejam que eles também podem — comentou a magistrada antes da posse.

A juíza, que teve infância pobre e só conseguiu ingressar na escola de magistratura em 1994, aos 49 anos, é a segunda mulher negra do Brasil a ocupar o cargo. O magistrado Gilberto Fernandes foi o primeiro negro a tornar-se desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em 1988.

Havia 16 juízes candidatos à promoção pelo critério de merecimento para a vaga do desembargador José Carlos de Figueiredo, que se aposenta. Segundo a assessoria do Tribunal de Justiça, eram nove mulheres concorrendo ao cargo, incluindo Ivone Caetano.

Luta contra o preconceito

Filha de uma lavadeira que criou sozinha os 11 filhos, Ivone Caetano tem uma história de luta pela sobrevivência e contra o preconceito. Estudou em colégio público e em algumas escolas particulares e, aos 18 anos, foi trabalhar como digitadora do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para ajudar a família, chegou a acumular três empregos ao mesmo tempo. A oportunidade de cursar a faculdade de direito, contou a desembargadora em entrevistas, veio aos 25 anos, depois do casamento. Só com a ajuda do marido pôde parar de trabalhar e dedicar-se aos estudos.

— A forma como eu cheguei foi muito difícil. Foi muito duro. Ou brigava para não ser só prego saliente ou ficava parada. A minha vida sempre foi assim, desde que eu nasci — lembrou ontem.

Desde 2004 à frente a 1ª Vara da Infância, Ivone Caetano já atuou como juíza da infância em Belford Roxo e São João de Meriti. Considerada linha dura, já tomou decisões polêmicas. Foi a primeira magistrada a determinar a internação compulsória de menores usuários de crack que vivem nas ruas da cidade. E, em 2012, determinou a primeira internação compulsória de um adulto usuário de crack no Rio: uma mulher de 22 anos, grávida de oito meses.

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