Iza quer se estabelecer com disco inspirado na black music: “É muito pop, mas com assinatura”

Cantora, que começou a carreira fazendo covers no YouTube, lança o álbum de estreia, Dona de Mim

por LUCAS BRÊDA, do Rolling Stone Brasil
Reprodução YouTube

Iza ri, aliviada, ao telefone: “Graças a Deus”. Ela está nos Estados Unidos, fazendo o terceiro show em eventos executivos no país, e comemora o lançamento de Dona de Mim, primeiro disco da carreira, que chegou no fim do mês passado. O álbum foi o último passo de um processo que começou quando deixou a publicidade e decidiu fazer vídeos para o YouTube cantando covers. Mas muita gente associa Iza a “Pesadão”, o hit em parceria com Marcelo Falcão que foi presença constante nas rádios e festas do país, especialmente no último verão. A faixa carrega um encontro de gerações de vozes da música negra nacional: ele acaba de entrar em hiato com O Rappa, depois de dominar o rádio nos anos 2000; ela surge revigorante e potente, cravando o cartão de visitas na consciência coletiva. Entre as conquistas estão a participação no Rock in Rio, no ano passado, depois do qual virou uma espécie de musa do norte-americano Cee Lo Green, e a escalação para o Cultura Inglesa Festival, no mês que vem.

“Pesadão” tem a mesma gênese do disco, Dona de Mim. “Estávamos no estúdio, tentando buscar um próximo single, e aí fizemos um monte de músicas”, conta a cantora, falando sobre cerca de um ano atrás, quando começou a trabalhar na canção que viria a suceder “Te Pegar”. “Fomos mostrar para o presidente da gravadora e ele achou que tínhamos um bom caminho para começar o álbum. Não era o plano, pensávamos em fazer um EP, e nem seria por agora. Mas tínhamos tantas músicas legais que decidimos apostar nisso – e agora temos um disco completo, com 14 faixas.” O sucesso de “Pesadão” acabou levando Iza a programas de TV e a tornou cada vez mais popular na internet, o que encurtou o caminho: ela não precisava se “apresentar” com um EP, o público já a conhecia.

Dona de Mim é pop até o talo, com participação de nomes como Carlinhos Brown e a drag Gloria Groove (ambos em “Rebola”) e uma sonoridade que frequentemente esbarra no R&B moderno (“Toda Sua”, “Saudade Daquilo”). Também há uma balada ao violão (“Você Não Vive sem”), um blues (“No Ponto”) e a levada de reggae que já tinha aparecido em “Pesadão” (agora em “Bateu”). “Corda Bamba”, uma das batidas mais viciantes do disco, veio na última leva de composições e tem participação de Ivete Sangalo, enquanto “É Noix”, uma espécie de samba eletrônico, traz vocais de Thiaguinho (“Enxergo muito de R&B nessa música”). A primeira faixa de Dona de Mim, o single “Ginga”, é uma parceria com o rapper Rincon Sapiência, com arranjo de berimbau e um clipe que é uma ode à beleza negra. “Essa canção foi um presente”, lembra. “É muito brasileira, com referência à capoeira e na hora pensamos no Rincon. Ele é muito criativo, tem muita identidade, o flow dele é diferente.”

“É um álbum muito pop, mas tem uma assinatura”, analisa a cantora, citando que a sonoridade percorre quase toda a história da black music, influência dela desde criança, quando começou a ouvir os discos do pai (“Ficava deitada perto do som, com o encarte na mão”). Iza tem um vocal potente e técnico, que, segundo ela, foi desenvolvido “cantando no chuveiro”, antes de começar a organizar festinhas com os parentes, cantar na igreja aos domingos e, enfim, criar um canal fazendo covers (de Nina Simone, Prince, Drake, Rihanna). Formada em publicidade na PUC do Rio de Janeiro, ela largou o emprego para se tornar cantora, e foi atrás de uma gravadora até que a Warner a “descobriu”. “A maioria dos meus amigos não sabiam que eu cantava. ‘Izabela, de onde você tirou isso?’”, ri. “O YouTube foi uma exposição muito grande. Não dá para saber, as pessoas podem gostar ou odiar.”

A ascensão de Iza não tem a ver apenas com o reconhecimento do próprio talento, algo evidente para qualquer pessoa que a ouça, mas também com o reconhecimento da própria autoestima – uma libertação do que o racismo havia representado na vida dela até então. “Tem a ver com autodescoberta, autoconhecimento, o nome desse álbum é esse também porque as músicas tratam de sexo, liberdade, mudanças – todas as letras falam sobre como eu virei dona de mim”, reflete. “Esse processo que eu vivi na adolescência e no finalzinho da faculdade acabou me ajudando a me enxergar como eu realmente sou.”

Iza é ao mesmo tempo produto e produtora na onda de empoderamento que permeia não só a fatia mais pop da música brasileira como também o universo da moda e a mídia em geral, desde pelo menos “Tombei”, hit de 2014 de Karol Conka. “Isso é uma coisa muito delicada”, ela pontua, referindo- -se aos “aproveitadores”. “Temos que tomar cuidado e ficar analisando até que ponto uma marca ou empresa fala sobre isso porque realmente está preocupada com algo. O que eu e minhas amigas pensamos é que o importante mesmo é que a gente aproveite o momento. Independentemente de os discursos serem legítimos ou não, precisamos aproveitar para que se fale sobre isso sim, porque a verdade é que nunca se abordou tanto o tema. Tem um monte de gente que se aproveita, mas o resultado, obviamente, é positivo.”

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