Janot pede que Justiça Federal assuma Caso Cabula e classifica absolvição de PMs como ‘curiosa’

Ao STJ, procurador-geral da República indicou incongruências no processo e diz que “houve parcialidade ou, ao menos, complacência” em julgamento

por Clarissa Pacheco no Correio da Bahia

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Francisco Falcão, que a Justiça Federal investigue a morte de 12 pessoas – entre e 15 e 28 anos – na Vila Moisés, no Cabula, durante a madrugada do dia 6 de fevereiro de 2015. Ele questiona o fato de que os nove policiais que mataram as 12 pessoas foram absolvidos, sob a justificativa de que agiram em legítima defesa.

Para Janot, é necessária a investigação da Justiça Federal porque “ao absolver sumariamente os policiais militares envolvidos, sem permitir que o andamento normal do processo ocorresse, a Justiça Estadual não levou em conta informações importantes que poderiam levar a um resultado diferente”.

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No documento de 56 páginas enviado ao STJ, chamado Incidente de Deslocamento de Competência (IDC), Janot aponta incongruências na sentença que absolveu os nove policiais militares. “Falta, na visão do Ministério Público, neutralidade na apuração, única forma de garantir um trabalho de qualidade e a busca da verdade real dos fatos”, diz.

Janot aponta o fato de terem sido disparados 143 tiros, 88 deles certeiros, o que resulta em média de quase 10 tiros certeiros por acusado. Ele chama atenção ainda para o fato de que apenas um dos policiais, o sargento Dick Rocha de Jesus, tenha sido atingido, de raspão, na cabeça.

“Há registro de inúmeros ferimentos causados por disparos deflagrados de trás para frente – ou seja, com as vítimas de costas – e de cima para baixo, além de vários nos braços e mãos (uma das vítimas com ferimentos em ambas as mãos, com características de posição de defesa, tudo segundo os laudos cadavéricos acostados ao inquérito”, prossegue Janot. 

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Sentença-relâmpago

Ele também aponta diversas falhas no rito procedimental da sentença e diz ser “curiosa” a rapidez com que foram absolvidos os denunciados – menos de um mês depois, sem apresentação de resposta à acusação e antes do início da instrução processual. A juíza substituta Marivalda Almeida Moutinho absolveu, ainda, uma pessoa que sequer era denunciada no fato, Luciano Santos de Oliveira, por “legítima defesa”.

“A sentença desconsiderou absolutamente todos os elementos sobre os quais jogou luz o órgão acusatório e, fixando-se unicamente no que extraiu do inquérito, com os vícios já apontados, e, muito claramente, na ‘qualificação’ das vítimas, entendeu dispensável a produção de provas, desrespeitando decisão do juiz titular da Vara, que a havia deferido, e interrompendo o caminho natural do processo, que poderia levar o caso ao julgamento pelo Tribunal do Júri”, escreve o procurador-geral.

Requisitos

Casos são “federalizados”, ou seja, levados à apuração pela Justiça Federal, quando há grave violação de direitos humanos, risco de responsabilização internacional pelo descumprimento de obrigações assumidas em tratados internacional e quando há evidências de que o sistema estadual não têm condições de seguir apurando, processando e julgando um caso.

Para Janot, é isso que ocorre no Caso Cabula, inclusive com risco iminente de responsabilização do Brasil em foros internacionais. Ele diz que caso não é um exemplo de ineficácia da atuação da polícia, mas de condução viciada.

“Houve parcialidade ou, ao menos, complacência com apurações favoráveis aos agentes da polícia, com indícios de que partiram com ponto de destino certo, não sem se desqualificar as vítimas, seja no curso do trabalho de apuração, seja na sentença”, comenta.

A decisão sobre a federalização será, após sorteio, do ministro Reynaldo Soares da Fonseca. O ministro escolhe se quer decidir sozinho, ou enviar a matéria para votação, em seção, dos outros ministros. Não há prazo para a decisão do ministro.

Pedidos

pedido de investigação por parte da Justiça Federal foi feito após a ONG Justiça Global denunciar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos que integrantes da Campanha Reaja ou Será Morto, Reaja ou Será Morta vinham sofrendo ameaças por conta da atuação contra a violência policial na Bahia.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também já havia feito um pedido para que o caso fosse investigado pela Justiça Federal. Formulado pela Comissão de Direitos Humanos da seccional baiana, o documento foi aprovado por unanimidade pelos conselheiros estaduais e nacionais. “A OAB vê com bons olhos esse deslocamento de competência. É importante, porque vai dar uma visão mais apurada do caso, afastada do local de ocorrência e das emoções que possam circundar. Entendemos que o caso merecia uma instrução mais demorada, uma análise mais profunda”, comentou Eduardo Rodrigues, presidente da comissão.

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Na peça enviada ao presidente do STJ, Francisco Falcão, Rodrigo Janot também afirma que outro procedimento foi instaurado para apurar especificamente as ameaças sofridas pelo promotor do caso, Davi Gallo.

Procurado pelo CORREIO, Davi Gallo disse ser “melhor assim”. “Isso (a federalização) foi uma sugestão minha, que o procurador-geral da República atendeu devido à pressão do caso. Melhor assim”. Sobre as ameaças, ele disse que elas motivaram o pedido.

Além de se movimentar com a Procuradoria-Geral da República, o Ministério Público (MP-BA) entrou com recurso logo após a decisão da juíza no dia 24 de julho de 2015. O processo de apelação ainda não foi julgado. O relator é Eserval Rocha, escolhido por sorteio.

A coordenadora da ONG Justiça Global, Sandra Carvalho, comemorou o pedido feito por Janot. “A gente recebe essa notícia de forma muito positiva. É importante que façam outras investigações, que o STJ apure e que acate o pedido do procurador. E uma vez instituído o IDC, que haja outras investigações sobre essa chacina”, disse.

Questionada sobre o pedido de Janot, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) respondeu, por meio de nota, que não cabe à pasta questionar as decisões da Justiça, em qualquer que seja a instância. A nota diz ainda que “(a SSP) garante que todas as medidas para elucidar o Caso Cabula foram adotadas”, citando a elaboração de laudos periciais, coleta de depoimentos de testemunhas, inclusive as que participaram da ação, além da reconstituição. “Essas peças foram determinantes para a finalização do inquérito que ratificou a versão apresentada pelos policiais”, diz a nota.

O caso

Na madrugada do dia 6 de fevereiro de 2015, nove policiais militares lotados na Rondesp/Central adentraram a localidade conhecida como Vila Moisés e efetuaram uma série de disparos contra um grupo de pessoas. Segundo a PM, o grupo era suspeito de tentar assaltar uma agência da Caixa Econômica Federal. A polícia também afirmou, na época, que houve troca de tiros.

A ação deixou 12 mortos e seis feridos. Foram mortos Jefferson Pereira dos Santos (22 anos), Adriano Souza Guimarães (21), Rodrigo Martins de Oliveira (17), Ricardo Vilas Boas Silva (27), Agenor Vitalino dos Santos Neto (19), João Luis Pereira Rodrigues (21), Natanael de Jesus Costa (17), Caíque Bastos dos Santos (16), Evson Pereira dos Santos (27), Bruno Pires do Nascimento (19), Vitor Amorim de Araújo (19) e Tiago Gomes das Virgens (18).

Ficaram feridos Arão de Paula Santos (22 anos), Elenilson Santana da Conceição (22), Luan Lucas Vieira de Oliveira (20), Lailson Mendes Barros (15), Luiz Alberto de Jesus Filho (28) e Diego Santos Silva (19).

No dia 24 de julho de 2015, a juíza substituta Marivalda Almeida Moutinho, acatando a versão do Inquérito Policial e ignorando a investigação feita pelo Ministério Público Estadual, absolveu os nove policiais envolvidos no caso.

Os PMs absolvidos foram Julio César Lopes Pitta – que chefiava a operação -, Robemar Campos de Oliveira, Antônio Correia Mendes, Sandoval Soares Silva, Marcelo Pereira dos santos, Lázaro Alexandre Pereira de Andrade, Dick Rocha de Jesus, Isac Eber Costa Carvalho de Jesus e Lúcio Ferreira de Jesus.

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