As mulheres estão cada vez mais presentes na política. E estas eleições mostraram isso, mais que nunca.
Por Catarina Carvalho, do Diário de Notícias
1. Três mulheres
Há três mulheres negras no parlamento. Há uma estrela, Joacine Katar Moreira, eleita pelo Livre, em Lisboa. Elegeu-se com técnicas de campanha e marketing – uma canção bonita, um vídeo modernaço, as redes sociais, e etc… Mas também com ideias – a ideia dela própria, para já. A de uma mulher que ultrapassou as suas limitações: tinha uma gaguez agonizante, mas que se tornou força porque a assumiu, riu-se dela, e fez dela um slogan. A política faz-se de inspirações, que tantas vezes faltam, e Joacine era certamente uma.
Há mais duas mulheres negras no Parlamento, que eram anónimas até agora, Romualda Fernandes, do PS, e Beatriz Dias do Bloco de Esquerda, e não devia ser extraordinário falar disso, mas é. Porque não há propriamente nada de extraordinário em ser mulher e ser negra, em Portugal, a não ser que é, sobretudo em contexto político, em que faltam tanto as mulheres como os negros. E esta estreia é até irónica porque porque acontece ao mesmo tempo que um partido marcadamente contra a igualdade, como o Chega, entra também no hemiciclo. Veremos como estes opostos irão funcionar na casa do debate e do confronto.
2. Parlamento (quase) paritário
Andámos um bocado, para aqui chegar, mas hoje temos um Parlamento quase paritário. Foram eleitas 89 mulheres – ou seja, 38%. Em 2015 tinham sido 76 deputadas, só 33,04%. E temos, sobretudo, uma visibilidade feminina de que nos podemos orgulhar – talvez até mais do que nos damos conta.
As mulheres estão por todo o lado, nos partidos, e ontem dividiram o protagonismo da noite eleitoral. Representando ideias diferentes, mas marcando, os seus partidos e a vida política portuguesa. Nem só por serem mulheres, mas também por serem mulheres – e isso é que as torna tão interessantes.
Quando comecei a escrever esta crónica não era por aqui que ia. Tinha como objetivo falar de alguns dos assuntos marcantes destas eleições. Mas o tema levantou-se perante os meus olhos, e, agora, parece incontornável. A igualdade na política está tão absolutamente normalizada que já nem nos damos
conta de como há meia dúzia de anos não era assim. Nós, os portugueses, que tanto gostamos de transições suaves.
4. O desaire de Cristas e o feminismo não tradicional
Este equilíbrio foi o que Assunção Cristas não conseguiu, entre um passado recente que a perseguia – o do governo Passos Coelho, em que foi figura marcante – e uma tentativa de se tornar a oposição mais vocal nesta legislatura. A ela há-de assacar-se a derrota do CDS que leva o partido para níveis que já não conhecia há uns anos, depois de se ter tornado a face da direita conservadora de Paulo Portas. A ela há-de desculpar-se estar no sítio certo, na hora errada.
Os tempos não estão para conservadorismos suaves, que era o que Cristas defendia, como prova a chegada da extrema direita e dos liberais mais radicais ao Parlamento português. Parece haver cada vez menos espaço para moderados, e esses estão a ser aglutinados pelos partidos do centrão. Provavelmente os tempos não estão para conservadores, e todos foram penalizados nestas eleições, do PSD ao PCP.
Cristas foi um ícone feminista, sem o ser, no tempo que esteve à frente do seu partido. e nisso foi tão interessante. Uma mulher tradicional, com uma família numerosa, que não rejeitou o apelo da política para defender as suas convicções – começou com o aborto, e que cresceu com ela e a fez evoluir. E que, também, alargou o espetro do feminismo trazendo-o para um campo em que ele não é tradicional. Nisso foi marcante, praticando a igualdade, a tolerância do diferente e uma outra forma de ser feminista. Na prática, e não só no discurso.
A sua saída abre espaço a coisas perigosas. O que acontecer ao CDS nos próximos tempos será importante para a nossa política – é muito provável que o partido seja tomado por uma ala conservadora que já pôs as garras de fora várias vezes. A tendência TEM já anunciou uma candidatura no próximo congresso. Querem recuperar o partido, dizem, para os seus valores tradicionais. A saída de Cristas pode dar entrada a uma radicalização da direita, a mesma a que assistimos no mundo. E o CDS pode ser o partido mais vulnerável a ela. Cristas era a muralha que o impedia, sem ela será talvez mais difícil.
3. Catarina, a política
Apesar de não ter sido exatamente assim nos números, Catarina Martins apresentou-se como uma das vencedoras da noite. O Bloco de Esquerda perdeu alguns votos, manteve deputados, perdeu percentagem, mas consolidou-se como a terceira força política. Quando Catarina Martins assumiu a direção do Bloco de Esquerda fê-lo em duo com João Semedo. Uns anos mais tarde, por tristes circunstâncias da saúde do seu parceiro, mas também pelas suas qualidades, acabou a liderar sozinha.
E de um partido com dores de crescimento e alguns complexos ligados ao seu passado nasceu um partido moderno e sólido como alternativa, um partido que percebeu o ar do tempo, apostou em ser apoio de um governo de esquerda e ganhou. O Bloco não perdeu nada, aliás, até terá ganhado – podendo ter crescido aos olhos dos que apenas o consideravam um partido pequeno e de protesto.
Esta institucionalização foi feita cirurgicamente por Catarina Martins, que conseguiu não perder o tom de protesto, nunca ficando limitada ao redil socialista, mas capitalizando as vitórias da governação, como a Lei de Bases de saúde, por exemplo. A mensagem passou, sobretudo entre as camadas mais jovens da população, e essa pode bem vir a ser a garantia de futuro do BE. Isso e a coerência que consiga colocar nas suas batalhas, sem perder o equilíbrio.