Investigador, jornalista e poeta angolano, Joaquim Dias Cordeiro da Matta nasceu a 25 de dezembro de 1857 em Icilo e Bengo (Angola).
Uma das figuras angolanas mais multifacetadas do século XIX, Cordeiro da Matta foi poeta, cronista, romancista, jornalista, pedagogo, historiador, filólogo, folclorista e a sua investigação e zelo levaram a estabelecer em Angola um grande respeito pela cultura e tradição quimbunda.
Como jornalista sobressaiu em O Arauto Africano e O Farol do Povo e colaborou em várias publicações como Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiras (1879-1892) e Jornal de Luanda (1870). Publicou vários livros, que na sua maioria desapareceram, como Delírios 1875-1887 (1889), O Loandense da Alta e Baixa Esfera, Filosofia Popular em Provérbios Angolenses (1891), Dicionário Quimbundo-Português, Cartilha para se Aprender Quimbundo, Contos Angolanos e Cronologia de Angola, entre outros.
Cordeiro da Matta, um dos exemplos de autodidatismo na história do jornalismo e da investigação angolana, morreu a 2 de março de 1894, em Barra do Cuanza, em Angola.
NEGRA!
Negra! negra! como a noite
d’uma horrível tempestade,
mas, linda, mimosa e bella,
como a mais gentil beldade!
Negra! negra! como a asa
do corvo mais negro e escuro,
mas, tendo nos claros olhos,
o olhar mais límpido e puro!
Negra! negra! como o ébano,
seductora como Phedra,
possuindo as celsas formas,
em que a boa graça medra!
Negra! negra!… mas tão linda
co’os seus dentes de marfim;
que quando os lábios entreabre,
não sei o que sinto em mim!…
II
Só, negra, como te vejo,
eu sinto nos seios d’alma
arder-me forte desejo,
desejo que nada acalma.
se te roubou este clima
do homem a cor primeva;
branca que ao mundo viesses,
serias das filhas d’Eva
em belleza, ó negra, a prima!…
gerou-te em agro torrão;
S’elevar-te ao sexo frágil
temeu o rei da criação;
é qu’és, ó negra creatura,
a deusa da formosura!…
A UMA QUISSAMA
E na manhã fria, nevada
dessas manhãs de cacimbo
em que uma alma penada
não se lembra de ir ao limpo,
eu vi formoso, correcta
não sendo europeia dama
a mais sedutora preta
das regiões da Quissama.
Mal quinze anos contava
e no seu todo brilhava
o ar mais doce e gentil!
Tinha das mulheres lindas
as graças belas, infindas
de encantos, encantos mil.
Nos lábios, postos que escuros,
viam-se-lhe risos puros
em borboletões assomar.
Tinha nos olhos divinos
revérberos cristalinos
e fulgores… de matar!
Radiava-lhe na fronte
— como em límpido horizonte
radia mimosa luz,
da virgem casta a candura
Que sói à formosura
a graça que brota à flux!…
Embora azeitados panos
lhe cobrissem os lácteos pomos
denunciavam os arcamos
de dois torneados gomos…
Sedução
em manhã fria, nevada
dessas manhãs de cacimbo
em que uma alma penada
não se lembra de ir ao limbo,
eu vi formosa, correcta,
não sendo europeia dama
a mais sedutora preta
das regiões da Quissama
mal quinze anos contava
e no seu todo brilhava
o ar mais doce e gentil!
tinha das mulheres lindas
as graças belas, infindas
de encantos, encantos mil.
nos lábios, posto que escuros,
viam-se-lhes risos puros
em borbotões assomar.
tinha nos olhos divinos
revérberos cristalinos
e fulgores… de matar!
radiava-lhe na fonte
– como em límpido horizonte
radia mimosa luz,
da virgem casta a candura
que sói dar à formusura
a graça que brota à flux!…
embora azeitados panos
lhe cobrissem os lácteos pomos
denunciavam os arcamos
de dois torneados gomos
Fonte: Antonio Miranda