Jornalistas da Folha de S.Paulo debatem sobre desigualdade social no Galpão ZL

De um lado, profissionais de um jornal de grande circulação falam sobre como a desigualdade social afeta diversas pessoas em cantos diferentes do mundo, de modos e contextos variados, a partir do que eles presenciaram. Do outro lado, alunos de uma escola pública localizada na Zona Leste de São Paulo estão ali para ouvir os relatos feitos por essas pessoas, mas também para dar uma nova perspectiva sobre o que eles sentem na pele quando o assunto é… Desigualdade social.

Por Amauri Eugênio Jr. e Carolina Nascimento , da Fundação Tide Setubal 

Em 3 de setembro, o repórter Fernando Canzian e o fotógrafo Lalo de Almeida, autores da série de reportagens Desigualdade Global, veiculada na Folha de S.Paulo e que retrata como disparidades socioeconômicas afetam EUA, China, África do Sul, Europa – Espanha, França e Inglaterra – e o Brasil, foram ao Galpão ZL, no Jardim Lapenna, falar aos alunos da Escola Estadual Pedro Moreira Matos, situada no mesmo bairro, sobre o que viram naqueles locais e trocar experiências com os adolescentes que lá vivem e estudam.

O evento contou também com apresentação da Cia. Em Quadro, composta por alunos da E.E. Pedro Moreira Matos. O grupo encenou uma performance chamada “Extermínio”, que retratava o extermínio da população negra e periférica. Para Karen Samyra, 17, integrante do EmQuadro, o encontro foi importante por causa das vivências diferentes que os debatedores e os jovens do Jardim Lapenna têm. “O debate serviu para trocarmos experiências com o pessoal da Folha de S.Paulo e para mostrarmos a nossa realidade. Vemos que há muitos países que vivem em desigualdade, mas vivemos tão isolados que nos achamos exceções a tudo isso. E quando vemos coisas como essas, conseguimos nos situar”, pontua a jovem.

Apresentação da esquete “Extermínio”, da Cia. EmQuadro (Amauri Eugênio Jr.)

Intercâmbio social

Durante o evento, Canzian e Lalo de Almeida descreveram de modo detalhado as particularidades dos países visitados por eles e traçaram paralelos com a realidade brasileira, como no caso da África do Sul, considerada a nação mais desigual do mundo, em grande medida como consequência do apartheid, regime político que durou de 1948 a 1994 e segregou a população negra local de direitos básicos de cidadania e essenciais à dignidade humana: “há uma cidade branca, onde você parece parece estar na Holanda; e há favelas em volta, que são piores do que as do Brasil e onde somente é possível ver pessoas negras. Lá, as pessoas não têm acesso à água e a banheiros”, destaca Canzian.

A dupla da Folha de S.Paulo citou também o exemplo da França, cujos indicadores de igualdade socioeconômica são satisfatórios em comparação com os demais países visitados, onde a participação popular é intensa no campo político, em virtude do sistema educacional local; o crescimento econômico da China; e o aumento da concentração de renda nos EUA, o que vem resultando no aumento da população pobre e abaixo da linha da pobreza – em especial entre a população negra.

Desigualdade à brasileira

Além dos demais países visitados, Fernando Canzian e Lalo exibiram o minidocumentário da série de reportagens no qual o Brasil foi retratado, quando mencionaram que 64% das famílias ganham menos de R$ 3 mil por mês e enfatizaram a desigualdade socioeconômica.

Perguntado pela reportagem da Fundação Tide Setubal sobre a impressão que teve durante a produção da reportagem, Canzian enfatizou a concentração de renda e as benesses às quais grupos hegemônicos têm acesso, ao citar que o capítulo sobre o Brasil se chamava O país dos privilégios. “O Brasil é um país muito desigual, pois há poucas pessoas com muitos privilégios. Por exemplo, a classe política e funcionários públicos têm salários muito maiores do que a média nacional. Este é um país onde as pessoas trabalham muito e gostariam de ter mais oportunidades, mas a concentração de renda tem muito a ver com a política também.”

Luzia de Souza, professora de história da E.E. Pedro Moreira Matos, segue a mesma linha de Canzian. Para ela, os alunos têm ciência sobre as suas respectivas realidades e como a desigualdade, maximizada pelos privilégios de grupos hegemônicos, afetam as suas vidas.

“A importância destes dados, além do reforço da temática desenvolvida em sala de aula, foi eles poderem visualizar essas informações e se inserir neles. Eles sabem que devem estar nos 64%, como também estou. Moro na periferia, nasci aqui e vivi o que eles vivem.”

Fernando Canzian (à direita) fala sobre a série de reportagens (Amauri Eugênio Jr.)

Dos dados para a vida

Após o bate-papo com os alunos, Fernando Canzian citou que o conteúdo exposto ajudaria os jovens a colocar alguns aspectos em perspectiva. “É importante divulgar o material, principalmente em uma área de São Paulo que tem problemas sociais, para as pessoas entenderem que o problema da desigualdade não é uma questão só brasileira. Costumo dizer que a desigualdade no Brasil chega a ser pornográfica, mas esse é um problema vivido no mundo inteiro e acho importante contextualizá-lo.”

O estudante Guilherme Souza, 17, acredita que as horas de debate foram válidas para ampliar horizontes, além de dialogar com a sua própria trajetória. “Desigualdade social é o que vivo. Sou da periferia e se eu for ao Centro de São Paulo, já dá para ver um impacto, sobre como olham o meu cabelo e as minhas vestes, ao ser até discriminado por ser negro”, destaca o garoto. Para ele, a solução para o combate à discriminação é um aspecto que tem sido vilanizado por estas bandas. “Sinceramente? [A solução está] na cultura Se houvesse mais educação e cultura nas escolas, ficaria melhor, porque seria possível reconhecer a sua origem e [o local] de onde veio.”

A opinião de Guilherme é endossada pela estudante Janaína Alves, 16, quem considerou o debate importante para ampliar horizontes além da desigualdade socioeconômica vivida por eles, para, nas palavras dela, entender “a visão do outro e como o outro pensa, para poder incrementar o que a gente já tem.” Para completar, a jovem faz questão de traçar um paralelo sobre a sua vida e a de quem mora na área central da cidade. “Enquanto a única coisa que uma criança rica tem de fazer é estudar, a gente precisa trabalhar e pegar trem lotado. O que a gente vive é muito diferente do que eles vivem.”

Lembra-se do que professora Luzia de Souza havia falado sobre ela saber o que viviam os jovens que participaram da atividade, até por ela mesma ter passado pela mesma experiência? Isso a faz acreditar que eles passarão a ter novos olhares sobre as próprias vidas e a realidade ao redor deles. “Eles são muito trabalhadores e ‘raçudos’. Acredito que só o debate e o conhecimento sobre si mesmos os ajudarão a enfrentar o mundo lá fora”, finaliza a docente.

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