Julho das Pretas dá tom estratégico para valorização da mulher negra

Pertencimento, identidade, valorização e empoderamento. Com um nome para chamar a atenção, mesmo, o lançamento da campanha “Julho das Pretas” na Comunidade Quilombola Chácara Buriti foi recebida como um presente pelas moradoras. A tarde de conversa e troca de experiências emocionou e encorajou mulheres a se autoconhecerem para suportar a discriminação sofrida fora da comunidade.

Na Chácara, o Julho das Pretas mal foi lançado e já levantou um diálogo e reflexão sobre as desigualdades que dão invisibilidade às mulheres negras. Se trata de um mês inteiro para se debater políticas públicas de enfrentamento ao racismo e ao sexcismo reafirmando o protagonismo e que o lugar da mulher negra “é onde ela quiser”.

Campo Grande conta com três comunidades quilombolas a Tia Eva, no São Benedito, São João Batista, no Pioneiros e a Chácara Buriti, que é considerada para-rural, localizada a 30 km da cidade. A escolha do local para o lançamento foi especifica, já que o local fica mais afastado e conta com mais de 50 famílias.

A comunidade passa dos 80 anos e a maioria das famílias sobrevivem da agricultura familiar. No sendo mandato, a presidente da Chácara Buriti, Lucinéia de Jesus Domingos Gabilão pontua que ações como essa são de extrema importância e que a comunidade ficou feliz em participar do lançamento desse projeto.

Presidente Lucinéia de Jesus Domingos Gabilão pontua que ações como essa são de extrema importância. (Foto: Danielle Valentim)

 

Mayara é vice-presidente da comunidade aos 24 anos e se formou para a ajudar a família. (Foto: Danielle Valentim)

“Aqui somos mulheres da zona rural e temos uma dificuldade maior que as mulheres urbanas em ter esse contato, essa troca de experiências. Um momento como esse é riquíssimo. A hora passa que nem vê. Ficamos muito felizes em participar desse marco”, pontua.

Outro ponto importante foi o resgate da cultura característica da mulher negra. “Nossa raiz e em nossa infância, crescemos com mulheres usando turbante e isso foi se perdendo. Diz o ditado que santo de casa não faz milagre e eles ouvirem as experiências de outras mulheres, o racismo sofrido, as conquistas de outras mulheres é de extrema importância. Essa campanha veio a calhar com o nosso trabalho de fortalecimento das mulheres”, conta.

A engenheira agrônoma Mayara Domingos da silva, de 24 anos, é nascida e criada na comunidade e garante que se formou para ajudar a família. “Esse é meu objetivo. Não quero sair. Quero trazer o conhecimento para a comunidade. Assim como outras mulheres, que estão provando seu valor e conquistando seu espaço. Não queremos que as empresas nos engulam, mas que vejam que também somos capazes”, pontua.

Segundo ela, a abertura do Julho das Pretas na Comunidade Chácara Buriti foi recebido como um presente. “Ter esse dia pra nós é importante até para quem não é negro. É o mês que a mulher negra é vista. Ver mulheres que deram a cara para bater que foram julgadas e hoje podem falar sobre isso é muito significativo”, pontua Mayara.

A comunidade recebeu uma roda de conversa em que outras mulheres negras compartilharam suas vivências como forma de incentivo e de empoderar outras mulheres. Durante a tarde de lançamento e muito bate papo, mulheres também aprenderam a montar o turbante na cabeça.

A moradora Janaina Medina Domingos, de 35 anos, usou turbante pela primeira vez. Encantada com o poder que o tecido dá aos cabelos já quer mais eventos como este.

“Foi a primeira vez que coloquei turbante. Esse evento foi muito importante e poderia acontecer mais vezes. Para que a gente possa aprender e trocar mais experiência”, frisa.

A coordenadora de políticas de promoção da igualdade racial, Rosana Anunciação Franco, 45 anos, explica que o intuito é fazer com que as mulheres que estão invisíveis a sociedade sejam vistas. “Para isso, precisamos trazer a sociedade para os espaços onde estão as mulheres quilombolas. Decidimos fazer a abertura aqui para dar visibilidade. E mostrar que a mulheres de comunidade estão aí e precisam se valorizadas e respeitadas”, disse Rosana.

O nome “Preta” na campanha foi intencional e estratégico. “Quando a gente fala “preta” chama atenção. A população negra é a somatória dos pardos e pretos. Falar o preto é uma forma de auto identidade, auto afirmação, e reconhecimento da verdadeira identidade. E a mulher negra tem disso dentro dela. A campanha vem para impactar”, pontua Rosana.

A campanha – Esta ação é em alusão ao dia 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Afro Latina-Americana e Caribenha e o Dia Nacional de Tereza de Benguela, uma líder quilombola que com sua força e coragem liderou toda a comunidade do quilombo Guariperê na defesa de sua população contra as opressões e racismo.

A Campanha Julho das Pretas está em consonância com a Lei Estadual 5.254/2018 que criou o “Dia Estadual das Mulheres Negras”. Em Campo Grande serão realizadas diversas ações durante o mês de Julho como Rodas de conversa, palestras e oficinas.

O Julho das Pretas reafirma a importância da luta antirracista e antissexista na garantia dos direitos e do protagonismo das mulheres negras sul-mato-grossenses contra o racismo e a violência, pelo bem viver da população negra.

Roda de conversa. (Foto: Danielle Valentim)

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