Justiça do RJ registra mais de 22 mil processos de violência contra a mulher em dois meses

O levantamento contabiliza apenas os primeiros meses de 2019. O crime mais denunciado é o de lesão corporal, com 7.490 casos. Em 60 dias foram 248 casos de estupro.

Por Raquel Honorato, do G1

Rogéria Cardeal viveu o cotidiano de agressões em seu casamento. Hoje ela conta a própria história no teatro — Foto: Reprodução TV Globo

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) registrou, durante os dois primeiros meses desse ano, 22.360 novos processos de violência contra a mulher. São 15 novas denúncias na Justiça a cada hora.

Nesse período de 60 dias, o TJRJ recebeu 7.490 denúncias de lesões corporais contra mulheres; 4.649 casos de ameaça; e 248 casos de estupro, sendo 107 processos relacionados a estupro de mulheres menores de idade.

Na maioria dos casos, a violência contra a mulher começa com pequenos sinais e, com o tempo, evolui para agressões mais graves. Foi dessa maneira que Delcimar dos Santos viveu por 17 anos, tempo em que foi casada e sofria agressões físicas e psicológicas do marido. A filha também foi torturada e a violência durou até o dia em que ele feriu o pescoço dela com um punhal.

“Eu tinha que dar um basta por que senão seriam duas vítimas. Eu vou confessar que não sei de onde veio a força para denunciar. Só posso explicar que foi Deus mesmo. No dia em que eu tomei a decisão, eu fiz tudo de maneira tão natural que ele não percebeu. Porque se ele percebesse ali mesmo seria o fim”, comentou Delcimar, que ligou para o telefone 180, uma Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência.

Delcimar viveu 17 anos de casamento sofrendo agressões físicas e psicológicas do marido — Foto: Reprodução TV Globo

Delcimar procurou orientação sobre o que poderia fazer e como enfrentar o problema. Ela foi informada que poderia registrar a tentativa de feminicídio em uma delegacia comum. Após a denúncia, Delcimar procurou a Justiça para conseguir uma medida protetiva. O objetivo era conseguir que o marido não se aproximasse dela. Ela e a filha foram levadas para um abrigo distante, na tentativa de recomeçar uma nova vida sem violência.

“Eu era uma prisioneira de tudo. Hoje em dia tenho os meus direitos. Posso escolher uma roupa, tenho direito de tudo, em todos os sentidos. Direito de ir e vir. A liberdade é tudo”, disse Delcimar.

Somente em janeiro e fevereiro, foram registradas 8 mulheres assassinadas em casos de feminicídio no Estado. O número de tentativas de feminicídio chega a 63 casos. Já o número de prisões pelo mesmo crime alcança a marca de 210 envolvidos.

“Isso é um sinal de que as medidas estão sendo dadas. Que as mulheres estão pedindo proteção. Só que a gente precisa que essas medidas sejam executadas. As mulheres precisão ter a segurança de que ela efetivamente vai ser cumprida”, comentou a Juíza Adriana Ramos de Mello.

Uma das maneiras de buscar ajuda é através do Centro Especializado de Atendimento a Mulher (CEAM), ligado à Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos, que funciona de 9h às 17h, na Rua Benedito Hipólito, 125 (térreo), na Praça Onze, no Centro do Rio de Janeiro.

O CEAM realiza atendimentos e acompanhamentos psicológicos, sociais e dá orientação jurídica para as mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

“Muitas vezes nós somos a primeira unidade que elas procuram. Elas chegam com medo e não sabem se devem fazer uma denúncia e o que isso vai trazer para a vida dela. Por isso nós temos uma equipe de assistentes e advogadas que vão ouvir essa mulher e vão dar voz para essas mulheres. Tentam identificar o que elas estão passando e o que elas estão sofrendo. Saber o que elas querem”, comentou Rosangela Pereira, diretora do CEAM.

Uma alternativa ao CEAM, é a Central Judiciária de Abrigamento Provisório da Mulher Vítima de Violência Doméstica (Cejuvida), que funciona das 18h às 11h. Essa rede de assistência foi pensada de uma forma para que a mulher que procura ajuda não fique desamparada em nenhum momento.

Para a Juíza Adriana de Mello, também é importante a criação de campanhas educativas em todos os níveis de ensino — Foto: Reprodução TV Globo

Na opinião da Juíza Adriana Ramos de Mello, também é importante a criação de campanhas educativas em todos os níveis de ensino. “As campanhas de combate a violência contra a mulher são fundamentais. Também acho importante a possibilidade de alteração do currículo escolar para a introdução da matéria de direitos humanos das mulheres”, comentou a Juíza.

Alerj aprova Fundo Estadual
Para ajudar na prevenção desses crimes, a Alerj aprovou na semana passada a criação do Fundo Estadual de Enfrentamento a Violência Contra as Mulheres. A maior parte do dinheiro do fundo virá da arrecadação do ICMS sobre produtos cosméticos. O Governo vai destinar 2% do total da tarifa e o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher vai administrar e movimentar os recursos.

Um exemplo positivo do poder transformador dessa rede de apoio das mulheres que enfrentam a violência é a nova vida de Rogéria Cardeal da Silva. Ela viveu por três anos o cotidiano de agressões que enfrentava em seu casamento. Hoje ela conta a própria história no teatro.

“Eu considero que eu dei a volta por cima em todos os sentidos. Porque você sair de um relacionamento com uma mão na frente e outra atrás, com duas crianças de um ano e não saber o que vai dar de comer para os seus filhos. Você se olhar no espelho para pentear o cabelo e não se reconhecer como mulher. Se sentir um nada. Se sentir um lixo. Se sentir feia. Hoje eu me olho no espelho e me vejo uma mulher negra. Eu acredito que sou uma mulher linda”, comentou Rogéria.

A atriz venceu o medo e superou as dificuldades para dar um basta na vida de violências que levava. Hoje ela se coloca como uma representante dessa luta e aconselha aquelas que estão na mesma situação.

“Procurem ajuda. Sozinha a gente não consegue. O que é um tapa hoje vai virar um soco amanhã. Eles estão dispostos a nos matar e nós estamos dispostas a não morrer. Eu consegui. Não sou exemplo, mas posso ser um símbolo de representatividade para que vocês não desistam de vocês mesmos. É possível”, disse Rogéria.

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