Justiça e Meritocracia

Uma quantidade expressiva de pessoas acredita estar onde está porque trabalhou (ou alguém por ela) por isso e que quem não está é porque não trabalhou ou trabalhou pouco (ou quem por ela).

por  no Brasil Post

Tendo sido algumas vezes citada em roda de amigos e até para desconhecidos como exemplo de determinação e força de vontade, gostaria de usar este espaço para deixar bem claro: não estou onde estou porque trabalhei por isso… Estou onde estou porque sou branca, inteligente, de classe média e tive muitas oportunidades. Sim, agarrei-as e transformei o meu privilégio e oportunidades em frutos positivos para mim e a minha família. Mas tenho plena consciência de que em outro contexto as coisas poderiam ter sido completamente diferentes.

A questão da maioridade penal é apenas uma das que tem me tocado profundamente pois não consigo crer que 80% da população realmente não enxergue a catástrofe na qual estamos nos dirigindo caso isso de fato passe. A discussão política cada vez mais agressiva e desprovida de empatia e a indiferença de muitas pessoas ao sofrimento humano também têm me deixado bastante perplexa e, por vezes, desesperançosa.

Não acho que seja questão de tirar o livre arbítrio das pessoas. É questão de permitir que todos possam sair do mesmo ponto de partida. É não punir mais ainda as vítimas. É compreender que reconhecer privilégios não desmerece e nem diminui o seu esforço (ou de quem por você).

Particularmente eu vejo a meritocracia como a falácia na qual os privilegiados se agarram para justificar para si mesmos as injustiças deste mundo.

Eu mesma já acreditei nessa falácia e algumas vezes me espelhei no meu exemplo para bradar essas barbaridades por aí. Afinal de contas não é fácil admitir para si mesma e para os outros que mais do que tudo nessa vida o que eu tive foi: SORTE!

Sim, sorte de nascer em uma família com dificuldades financeiras mas com um background financeiro. Sorte de os malucos dos meus pais terem ido morar na Itália e eu ter tido um ensino básico de primeira. Sorte de ter uma inteligência acima da média e sempre ter me destacado nos ambientes escolares e depois profissionais.

Sorte de saber cativar as pessoas certas e de elas se mobilizarem por mim. Sorte por ser branca, sorte por não ter nenhuma limitação física que limitasse minha aceitação e por aí vai… Como diria o já saudoso Eduardo Galeano: “A primeira condição para modificar a realidade consiste em conhecê-la.”

“Ahhhhh que exagero! Você acha então que é tudo uma questão fatalista e que as pessoas não têm escolha e o esforço não deve ser recompensado?” Não! Não acho!

Acho que as pessoas têm escolha dentro de seus contextos e nem sempre o esforço é recompensado pois vivemos em uma sociedade injusta. Acho que pessoas que como eu possuem tudo quanto é tipo de privilégio têm a obrigação moral de ajudar a melhorar a situação de quem ficou lá atrás no sorteio da vida!

E, mais do que tudo acredito em um pensamento como o de John Rawls:

“Fazer justiça não é recompensar o mérito moral. Fazer justiça consiste em ter benefícios advindos da cooperação social, em cumprimento às regras do jogo (principio das igual liberdade e princípio da diferença). Justiça, portanto, nada tem que ver com a loteria da vida, isto é da diferença natural, justiça tem que ver com como as instituições lidam com esses fatos.”

Espero e peço ao Universo todos os dias que a minha condição atual jamais me faça esquecer das injustiças e misérias deste mundo e nem de estender o braço para quem não tem, não teve e não terá a mesma sorte!

+ sobre o tema

Quase 117 milhões de brasileiros não se alimentam como deveriam, aponta pesquisa

A pandemia tem muitos reflexos e um dos mais...

Para Marina, PT e PSDB precisam de ‘realinhamento histórico’

Em visita a favela, ela defendeu mais atenção para...

Reforma da ocupação Manoel Congo: “É uma grande vitória”

Governos federal e estadual vão repassar R$ 2,9 milhões...

Sai Lobão, entra Lobona da Globonews

A grande personagem das manifestações de ontem foi sem...

para lembrar

‘Ela só queria nos humilhar’ conta estudantes africanos sobre racismo da polícia em Porto Alegre

Samir Oliveira Quando vieram ao Brasil em busca de aperfeiçoamento...

Pega no meu power | Os homens que odiavam crianças pretas

Se não fosse meu filho. O senhor ia fazer...

Missouri entra em estado de emergência por temer violência racial

O governador do estado americano do Missouri, Jay Nixon,...

3 anos sem Miguel: ‘Eles podem ter a influência que for, mas não vou me calar’, diz mãe

Nesta sexta-feira (02) se completam três anos da morte do menino Miguel Otávio. A criança, que tinha cinco anos, foi abandonada em um elevador por Sarí Corte...

Três anos da morte do menino Miguel no Recife

Neste 2 de junho, a morte do menino Miguel Otávio Santana da Silva, no Recife, completa três anos. O menino de apenas cinco anos de...

Ministério da Igualdade Racial apoiará família de João Pedro e de Miguel, vítimas fatais de casos emblemáticos de racismo

No dia em que completam 3 anos do assassinato de João Pedro durante operação policial no Rio de Janeiro, em 2020, a mãe e o pai do...
-+=