O movimento de mulheres negras vem ao longo dos anos apresentando na luta por direitos humanos e na busca por correções de injustiças sociais, conceitos e teorias que deem conta dessa dinâmica forjada pela intersecção do racismo e do sexismo.
A Justiça Reprodutiva é um dos conceitos que se apresenta com a finalidade de ampliar o olhar sobre os direitos reprodutivos porque traz conjuntamente os direitos humanos e a justiça social para o exercício pleno da saúde reprodutiva.
Vista como uma teoria interseccional, a Justiça Reprodutiva emerge das experiências de mulheres negras que vivenciam um conjunto complexo de opressões e hierarquias reprodutivas. Baseia-se no entendimento de que os impactos das opressões de raça, classe, gênero e de orientação sexual não são aditivos, mas integrativos, produzindo esse paradigma de interseccionalidade (Trust Black Women).
O conceito Justiça Reprodutiva foi criado em 1994, logo após a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, que aconteceu no Cairo, e foi o movimento de mulheres afro-americanas que cunharam o conceito, partindo do entendimento que a justiça reprodutiva fornece um ambiente político para um conjunto de ideias, aspirações e visões que engloba todas as questões relacionadas à justiça social e aos direitos humanos.
Neste sentido, sobre a questão do aborto e a sua legalização, Angela Davis em seu livro Mulheres, Raça e Classe (2016) diz o seguinte: “Quando as mulheres negras e latinas recorriam ao aborto em tão grande número, as histórias que contavam não eram sobre o seu desejo de se verem livre das suas gravidezes, mas antes sobre as miseráveis condições que as dissuadiam de trazer novas vidas ao mundo.” Ou seja, para exercitar o direito reprodutivo, na decisão pelo aborto por exemplo, há necessidade de que outros direitos sejam garantidos, assim como o ambiente precisa ser livre das opressões racistas e sexistas, isso é o que defende a Justiça Reprodutiva.
Sobre a gravidez na adolescência, muitos estudos evidenciam que a maior ocorrência é em jovens negras, de menor renda e escolaridade e de periferia, e podendo desta forma ser observado que as questões de ordem social interferem na saúde reprodutiva e no exercício do seu direito.
Essas adolescentes iniciam a vida sexual mais cedo e na maioria das vezes a gravidez ocorre próxima a primeira relação sexual (Menezes, 2006) (Heilborn; Bozon, 2009). Uma pesquisa realizada no Rio de Janeiro evidenciou que o intervalo entre estes os dois eventos é, em média, 2,3 anos para as mulheres do interior e 3,7 anos para as da capital, apresentando as diferenças de acordo com o contexto em que as mulheres estejam inseridas (Heilborn et al., 2009).
A educação precária e falta de oportunidades para a comunidade nas diversas agendas sociais e políticas, ou seja, sem um ambiente saudável em que possibilidades sejam lançadas, as jovens não poderão tomar decisões, planejar a sua reprodução e exercitar a sua sexualidade com liberdade e autonomia.
Relembrando o movimento de mulheres negras que elaborou um documento preparatório para a Conferência Mundial de População e Desenvolvimento de Cairo/94, a “Declaração de Itapecerica da Serra”, no qual apontava a liberdade reprodutiva como essencial para raças discriminadas e reivindicava do Estado brasileiro a garantia dos direitos reprodutivos, assegurando condições para a manutenção da vida, com condições necessárias para que as mulheres negras pudessem exercer a sua sexualidade e seus direitos reprodutivos, controlando a sua própria fecundidade e decidindo se querem ter ou não ter os filhos. Esta declaração se aproxima do que chamamos de Justiça Reprodutiva.
Ao falar sobre a legalização do aborto em uma entrevista, Angela Davis diz que “os direitos ao aborto são fundamentais para as mulheres e a democracia. Mas eles não podem ser considerados separadamente de outros direitos reprodutivos, como o de ser livre do abuso da esterilização, do direito de ter filhos. Também não se pode assumir que uma vitória nesse campo para as mulheres ricas, que são capazes de arcar com os custos do aborto, seja uma vitória para as pobres”, Ela estava se referindo ao contexto Estadunidense.
Bem, este texto ainda é um ensaio sobre Justiça Reprodutiva, para que possamos ampliar nossos debates e fortalecer a agenda dos direitos reprodutivos sobre a égide das justiças no Brasil para as mulheres negras, principalmente. Durante este ano de 2017 tentarei escrever mais focada nos temas relacionados a reprodução: opressões reprodutivas, hierarquias reprodutivas, parto humanizado, medicalização da reprodução, tecnologias reprodutivas e gravidez na adolescência sobre o viés da Justiça Reprodutiva e do Racismo.
Vamos às demandas, que venha 2017 ♥ !!!
Referencias
Davis, Angela. Mulheres, Raça e Classe. Editora Boitempo, São Paulo. (2016)
Heilborn, M. L.; Bozon, M. Iniciação à Sexualidade: Modos de Socialização de Gênero e Trajetórias Individuais. In: O aprendizado da sexualidade: reprodução e trajetórias sociais de jovens brasileiros. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2009. p. 155–216.
Heringer, R. Desigualdades raciais no Brasil: síntese de indicadores e desafios no campo das políticas públicas. Cadernos de Saúde Pública, v. 18, p. S57–S65, 2002.
Menezes GMS. Aborto, juventude e saúde: um estudo em três capitais brasileiras [Tese de Doutorado]. Salvador: Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia; 2006.
Declaração de Itapecerica da Serra das Mulheres Negras Brasileiras. Geledés, 1993.
Understanding Reproductive Justice – http://www.trustblackwomen.org/our-work/what-is-reproductive-justice/9-what-is-reproductive-justice
Brasil e EUA fracassaram em abolir escravidão, afirma Angela Davis –http://racismoambiental.net.br/2016/09/27/brasil-e-eua-fracassaram-em-abolir-escravidao-afirma-angela-davis/