Juventudes e política

Geração não é alienada, mas teme discutir nas redes e desconfia de partidos

As eleições de 2022 tornam o contexto brasileiro, que ainda enfrenta a pandemia, desafiador para todos nós. Nas análises políticas, o tema juventude tem ganhado relevância diante de opiniões, muitas vezes conflitantes, a respeito da imagem que se cria sobre os jovens.

Uma pesquisa do Instituto em Pesquisa e Consultoria (Ipec), da Fundação Tide Setubal e da Avaaz apontou achados importantes para contribuir com o debate. Entre os dados, destaco: jovens deixam de debater política nas redes sociais por medo de serem cancelados; 1 em cada 5 jovens, entre 16 e 34 anos, não sabe o que é democracia; e 92% não confiam ou confiam pouco nos partidos políticos.

O estudo mencionado acima e os projetos que acompanho me sugerem que essa geração não é alienada, como muitos professam, mas se interessa, participa e aprende sobre política, especialmente em espaços culturais, igrejas e escolas.

Talvez o embrião desse fenômeno esteja no início da década de 1990, quando os Racionais MC’s declaravam a importância das identidades negras e periféricas e denunciavam a violência contra essa juventude nas letras de seus raps. Seu estrondoso sucesso transbordou pelos diferentes territórios periféricos, transformando-se ao longo dos tempos em saraus, bailes funk e batalhas de “slams”, entre outros formatos e ações de ocupação de espaços públicos, na maioria das vezes afirmando suas diversas identidades periféricas, de gênero e de raça.

Esses espaços, assim como coletivos culturais, programas sociais desenvolvidos por organizações da sociedade civil e mais recentemente cursinhos pré-vestibulares, formaram e formam as novas gerações politicamente. Muitas vezes me emociono com os veementes depoimentos narrados por diversos jovens sobre a tomada de consciência de violações sofridas e, ao mesmo tempo, das possibilidades compreendidas para ressignificarem seu modo de ser, pertencer e atuar no mundo. Essas vivências e histórias sugerem o papel fundamental e a responsabilidade que a legislação e as políticas culturais podem e devem assumir, como demonstram, por exemplo, o programa dos pontos de cultura, a lei das cotas sociais e raciais nas universidades e a lei de fomento à cultura nas periferias, em São Paulo.

Finalmente, gostaria de destacar a falta de confiança dos jovens nas instituições, especialmente nos partidos políticos. Podemos enumerar diversas causas para essa despartidarização, mas gostaria de me ater à frase tão cantada por Emicida e por diversos artistas e jovens periféricos: “Tudo que Nóis Tem é Nóis”. São diferentes dimensões que estão em jogo, como a ausência de Estado e de políticas públicas, a importância de apoio e inserção nas comunidades, a potência de cada um e a desconfiança em tudo e todos que “não são nóis”.

Tenho aprendido todos os dias a expandir meu olhar e minha compreensão da realidade brasileira e acredito que, quando as instituições são vistas como disfuncionais e suas regras como injustas, é mais baixo o desejo de as pessoas cooperarem e se engajarem institucionalmente. Desconfiança está muito associada a grandes desigualdades na sociedade, a preconceitos e ao esgarçamento do tecido social, propiciando a primazia de saídas individualistas que pouco agregam para o coletivo.

O tema é obviamente complexo, mas está na possibilidade e alcance de cada um de nós ampliar nossa capacidade de escuta e conhecimento das realidades das juventudes para construirmos uma visão mais inclusiva e conectada com a realidade brasileira.

Abrir espaço para os jovens na cena política, seja incentivando-os a tirar o título de eleitor ou até mesmo a participar do processo eleitoral como candidatos, expressando suas demandas, é um primeiro passo para ouvir suas vozes e tecer uma nova visão de sociedade que aponte para um presente e se desdobre num futuro mais justo, sustentável e democrático.


Maria Alice Setubal (Neca)

Doutora em psicologia da educação (PUC-SP), socióloga e presidente do Conselho da Fundação Tide Setubal

+ sobre o tema

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro...

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira...

Promotor é investigado por falar em júri que réu negro merecia “chibatadas”

Um promotor de Justiça do Rio Grande do Sul é...

para lembrar

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro...

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira...

Promotor é investigado por falar em júri que réu negro merecia “chibatadas”

Um promotor de Justiça do Rio Grande do Sul é...
spot_imgspot_img

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro no pé. Ou melhor: é uma carga redobrada de combustível para fazer a máquina do racismo funcionar....

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a categoria racial coloured, mestiços que não eram nem brancos nem negros. Na prática, não tinham...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira (27) habeas corpus ao policial militar Fábio Anderson Pereira de Almeida, réu por assassinato de Guilherme Dias...