Kabengele Munanga é premiado por sua trajetória em defesa dos negros

Em cerimônia realizada no dia 29 de junho, o professor titular sênior do Departamento de Antropologia da FFLCH recebeu o 15º Prêmio USP de Direitos Humanos

Por Eliete Viana, da USP

Na cerimônia de premiação, o professor Kabengele Munanga afirmou que escolheu defender a importância das políticas afirmativas – Foto: Marcos Santos / USP Imagens

Nesta sexta-feira, dia 29 de junho, o professor titular sênior da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Kabengele Munanga, foi agraciado com o Prêmio USP de Direitos Humanos, em cerimônia realizada na Sala do Conselho Universitário.

Em sua 15ª edição, este prêmio foi criado pela Comissão de Direitos Humanos da Universidade em 2000, com o objetivo de identificar e homenagear pessoas e instituições que, por suas atividades exemplares, tenham contribuído significativamente para a difusão, disseminação e divulgação dos direitos humanos no Brasil.

Entre os motivos da escolha do docente da FFLCH para receber este prêmio, estão a sua renomada carreira acadêmica somada à militância contra o racismo e em defesa dos direitos humanos. Munanga foi um dos protagonistas no debate nacional em defesa da implantação das cotas e ações afirmativas.

Dando início à cerimônia, o presidente da Comissão de Direitos da USP, José Gregori, falou sobre esta premiação. “São em momentos como esse que os fundamentos de uma instituição são recordados e praticamente refundados, no sentido de encontrar as verdadeiras finalidades para justificar toda uma luta que ela desenvolveu para chegar até aqui”.

Gregori destacou também a importância da luta pelos direitos humanos. “É uma das coisas que certamente consolam os meus cabelos brancos, de ter tido na vida a oportunidade de lutar pelos direitos humanos, pela igualdade, pela conciliação. [Neste quesito], estamos bem representados com o professor Kabengele Munanga”.

Professor negro

A saudação ao homenageado foi feita pelo membro da Comissão de Direitos Humanos da USP Ricardo Alexino Ferreira, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA), na qual abordou a carreira acadêmica, pesquisas, cargos administrativos e prêmios recebidos pelo professor, além do merecimento desta homenagem.

“O professor Kabengele Munanga fez relevantes estudos sobre o negro brasileiro. Ele estuda as teorias, mas também os grupos sociais. E, o conjunto de sua obra sempre trouxe a perspectiva das políticas afirmativas”.

Ferreira relatou um episódio que mostra a importância do homenageado em sua história, quando ao iniciar o mestrado ele foi fazer uma disciplina com Munanga. “Na véspera da primeira aula, eu quase não dormi. Porque o docente seria o primeiro professor negro que eu teria em toda a minha formação”, destacou emocionado.

Para finalizar, o docente da ECA ressaltou a relevância de Munanga também na sociedade brasileira. “O senhor mobilizou toda uma geração de pesquisadores neste projeto de sensibilizar a USP sobre a diversidade. O seu arquétipo, com certeza, chama-se direitos humanos”.

Políticas afirmativas

Kabengele Munanga agradeceu a escolha de seu nome para receber a premiação e a presença de todos ao evento. “O que estava defendendo num contexto de solidariedade, foi percebido e considerado por outras pessoas como uma contribuição para a transformação da sociedade”.

Ele contou sobre sua chegada à cidade de São Paulo, dos 32 anos de dedicação como docente do Departamento de Antropologia da FFLCH. Disse que o fato de ser o primeiro negro a ingressar como professor na Universidade não foi motivo de orgulho, mas de indagações. Pois, se tivesse nascido como negro no Brasil, talvez não chegaria muito longe.

Fez uma retrospectiva da luta para implantar as cotas e ações afirmativas na USP, que começou em 1995, mas que teve retrocessos ao longo de 20 anos, e foi implantada no ano passado.

O docente citou a importância do professor emérito João Baptista Borges Pereira em sua história, que foi seu orientador, e para o qual dedicou o prêmio recebido [Pereira também é do Departamento de Antropologia da FFLCH, e foi diretor da Unidade, por duas vezes (1985-1989) e (1994-1998)].

[Da esq. p/ dir.] O professor Munanga após receber o diploma do Prêmio USP de Direitos Humanos, junto com Paulo Roberto Bonjorno, Ricardo Alexino; José Vicente; José Gregori; Vahan Agopyan; e Eunice Aparecida de Jesus Prudente – Foto: Marcos Santos / USP Imagens
Além disso, lembrou de Irene, sua companheira, que sempre o apoiou, mesmo quando foi acusado pela mídia de ser racista por lutar pelas cotas para negros e ouvir algumas vezes questionamentos sobre o porquê ele falava dos problemas raciais do Brasil, mas não das questões sociais da África.

Em resposta, o professor afirmou que, como estudioso e pesquisador, escolheu defender a importância das políticas afirmativas. “Acredito que não há sentidos em fazer ciência sem ter consciência dos problemas sociais. E, este prêmio carrega muitas mãos, que não foram citadas aqui, muitas anônimas, que ainda carecem de direitos de igualdade”.

Honra

“Professor Kabengele, as homenagens, mesmo que tardias, são importantes. Às vezes, os agraciados enobrecem o próprio prêmio e este é o caso do nosso homenageado de hoje”, destacou o reitor Vahan Agopyan, que parabenizou também a Comissão de Direitos Humanos pela escolha do premiado.

“Pessoas como o senhor são imprescindíveis par a sociedade. Parabéns por sua trajetória. A USP se sente muito honrada em tê-lo como docente!”, finalizou.

O encerramento da cerimônia contou com apresentação musical do Coral USP. Entre as várias autoridades presentes, pode-se destacar: o secretário estadual adjunto de Desenvolvimento Social, Paulo Roberto Bonjorno; a secretária municipal de Direitos Humanos e Cidadania, Eloisa de Sousa Arruda; o reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares, José Vicente; a diretora da FFLCH, Maria Arminda do Nascimento Arruda; o professor emérito da USP Celso Lafer; a ex-consulesa da França em São Paulo, Alexandra Loras; além de vários representantes da Educafro.

Carreira

O homenageado nasceu em 1942, em uma aldeia de Bakwa Kalonji, na República Democrática do Congo (antigo Zaire), e graduou-se em Antropologia Social e Cultural pela Universidade Oficial do Congo (1964-1969), na qual iniciou sua carreira acadêmica como professor assistente. Em 1969, iniciou seus estudos de pós-graduação na Universidade Católica de Louvain (Bélgica) e foi pesquisador no Museu Real da África Central, em Tervuren (Bruxelas). Porém, por motivos relacionados à ditadura militar instalada em seu país, o doutorado só foi concluído em 1977, pela USP.

Em 1980, ingressou na carreira docente na FFLCH e aposentou-se em 2012, como professor titular do Departamento de Antropologia. No entanto, ele continua atuante como professor sênior na Faculdade, em atividades do Centro de Estudos Africanos (CEA) e integra o Grupo de Pesquisa Diálogos Interculturais do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP. E, desde 2017, é professor visitante sênior da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).

Suas pesquisas são nas áreas de Antropologia da África e da População Afro-Brasileira, com ênfase em temas como o racismo, políticas e discursos antirracistas, negritude, identidade negra versus identidade nacional, multiculturalismo e educação das relações étnico-raciais.

Além da carreira acadêmica, Munanga desempenhou diversos cargos administrativos, como o de diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia (1983-1989), vice-diretor do Museu de Arte Contemporânea (2002-2006) e diretor do CEA (2006-2010).

Outros prêmios

Ao longo de sua trajetória, o docente recebeu diversos prêmios e títulos. Em 2002, foi agraciado com a Ordem do Mérito Cultural, pelo Ministério da Cultura; no ano de 2008, recebeu homenagem como Decano em Estudos Antropológicos, pelo Departamento de Antropologia da FFLCH; ganhou o Troféu Raça Negra 2011, pela Afrobras e pela Faculdade Zumbi dos Palmares. Em 2012, foi agraciado com o Prêmio Benedito Galvão, da Ordem dos Advogados do Estado de São Paulo (OAB-SP) e, no mesmo ano, foi homenageado pela Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo (Adusp). Em 2013, recebeu o Grau de Oficial da Ordem do Rio Branco, outorgada pelo Ministério das Relações Exteriores. Em setembro de 2016, foi homenageado com o título de cidadania baiana, pela Assembleia Legislativa do Estado da Bahia.

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