Kalungas acreditam na educação para salvar meninas da violência sexual

Para a comunidade, a solução virá de dentro e não do Estado

Por JESSICA RAPHAELA E CAMILA SILVA, do Az Mina

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Fotos: Jéssica Raphaela e Camila Silva

Desacreditados da atuação do poder público no combate aos casos de abuso sexual de crianças e adolescentes kalungas em Cavalcante (GO), os quilombolas da região enxergam na educação uma solução possível para mudar essa realidade.

Para a professora da comunidade quilombola Vão do Moleque Nilça dos Santos, que trabalha com o ensino infantil, fundamental e médio, o caminho para a mudança dessa “cultura” se dará dentro do próprio grupo. “Eu acredito que tem que mudar a própria mulher, haver uma preparação para as meninas que vão crescendo, por meio de cursos e oficinas nas escolas”, afirma e reclama da falta de estrutura escolar: “Nós, professores, não temos recursos mínimos, trabalhamos apenas com o ‘gogó’ mesmo. E a gente percebe a necessidade de ter melhores meios para trabalhar minimamente a educação sexual”, afirma.

Relembre o caso:

Durante suas aulas, a professora aproveita para falar sobre sexualidade, direito ao corpo e abusos. “A menina tem que saber, desde muito jovem, que se alguém quiser tocar no corpo dela, fazer um carinho, ela tem que permitir, isso tem que ser bom pra ela”, considera.

Na mesma perspectiva, a secretária de Igualdade Racial e da Mulher de Cavalcante, Wanderleia dos Santos, não espera ações do Estado. “Nós mesmos, a comunidade, as organizações sociais, devemos fazer ações educativas, fazer um trabalho de base comunitária para trabalhar esse assunto junto à comunidade”, acredita.

Soma-se a essas perspectivas, o Projeto de Extensão Juventude Rural, promovido pela Universidade de Brasília (UnB). O núcleo kalunga do projeto atende aos municípios de Cavalcante, Monte Alegre e Teresina e é aberto à comunidade, como informa a historiadora e professora do curso de Licenciatura no Campo da Universidade Regina Coeli. “Participam do projeto estudantes de 16 a 20 anos, em sua maioria meninas. Durante as atividades propostas, surgem por parte dos próprios estudantes temas como violência doméstica, gravidez precoce e abuso sexual”, conta.

Coeli observa que entre as meninas mais jovens surge um olhar mais crítico sobre a própria realidade. “As estudantes já conseguem perceber e têm se mobilizado em torno desse debate da violência. São situações que a gente já ouviu falar em sala de aula, em trabalhos em grupo, e que, inclusive, foram tema de trabalhos de conclusão de curso. Na universidade, as meninas estão falando sobre isso, estão pesquisando e acreditam que esse é um debate que merece ser aprofundado. A gente trabalha na perspectiva defortalecimento da identidade, do empoderamento social, do despertar desse olhar mais crítico para sua própria cultura”, explica.

SOBRE @ AUTOR@:

Jéssica é uma jornalista brasiliense apaixonada por histórias. Transforma em texto todas as cenas interessantes que presencia, mesmo que muitas vezes as palavras fiquem guardadas no bloquinho. Trabalhou como repórter esportiva no Correio Braziliense, escreveu para crianças no portal Plenarinho e contou como é a vida em Nova York no Síntese NY. Ama música, audiovisual e fotografia. Camila Silva é jornalista e estudante de filosofia, compartilha a ideia de que o mundo pode ser um lugar muito bom para se viver, seguindo a orientação de Jorge Ben: é preciso salvar os velhos, as flores, as criancinhas e os cachorros.

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