Kbela + Afrobetizar: O dia de se ver no cinema.

O Rio tem despertado mais uma vez o interesse pela necessidade de representatividade de quem faz acontecer a vida cotidiana da cidade e ainda assim vive à margem da invisibilidade. Posso dizer com propriedade que setembro foi um dos meses mais ativos do ano. Muitos lançamentos, inicio de projetos, renovações e recomeços.

Por Gessica Justino Do Coletivo Oba

Dentre esses tivemos no dia 12 o lançamento do filme Kbela sob direção da Yasmin Thayná no Cinema Odeon.

11895995_729065747203937_523960047953609987_n-300x300

KBELA: uma experiência audiovisual sobre ser mulher e tornar­-se negra.  Fotos  © www.stephmunnier.com

KBELA é um curta-metragem experimental realizado de forma colaborativa por mulheres negras sobre mulheres negras. Seja através do cinema ou através dos cabelos, essas mulheres têm em comum a busca por novas possibilidades para narrar suas histórias em diferentes campos onde machismo e racismo são obstáculos a serem superados.

O processo de produção do filme é baseado nas redes de afeto e da internet ­ o elenco foi convocado nas redes sociais para garantir a diversidade de personagens que também colaboraram com suas histórias pessoais para o curta e uma vaquinha online arrecadou R$ 5.000 para custear parte do orçamento. Yasmin Thayná assina roteiro e direção do filme, uma adaptação livre de seu conto Mc K­bela, publicado na coletânea Flupp Pensa ­ 43 novos autores (Réptil/ Aeroplano, 2012).

IMG_0953 (1)

Fotos  © www.stephmunnier.com

Construída a partir de memórias afetivas, a história narra a relação da autora com seu cabelo, desde as dolorosas sessões de alisamento químico com sua avó, até o reconhecimento de sua ancestralidade nas raízes do cabelo natural, passando por situações limite de opressão e pelo reconhecimento de importantes círculos de acolhimento.

Em 2013, o mesmo conto foi transposto para o teatro em uma cena curta criada especialmente para o primeiro Home Theatre ­ Festival Internacional de Cenas em Casa.

O projeto KBELA é um catalisador de memórias, histórias, forças, ancestralidades e lutas que se expressa através de imagens.

Leia Também 

Afrobetizar a educação no Brasil

Durante os dois dias gravações, uma equipe de mais de 50 pessoas de diferentes regiões do Brasil (e uma atriz de Portugal) esteve mobilizada, metade do time é formado por mulheres negras ­incluindo Maria Clara Araújo, 18, mulher trans negra de Recife, que acaba de entrar para o curso de pedagogia na UFPE.

Dados da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) apontam que nos últimos dez anos, mulheres negras representaram apenas 4,4% do elenco dos principais filmes de longa­metragem nacionais.

A pesquisa também revela que, no mesmo período, as mulheres ocuparam apenas 14% dos cargos de direção e 26% assinaram roteiros, nenhuma delas era negra.

Por tanto, no contexto brasileiro, KBELA é um projeto político feminista e anti­racista no campo das artes pela construção e afirmação de espaços de autorrepresentação das mulheres negras. (FONTE: Yasmin Thayná)

O sucesso de público foi tão grande que o Odeon realizou mais 3 sessões no final de semana seguinte onde no domingo, ultima sessão, estiveram presente as crianças do projeto Afrobetizar (veja aqui matéria ja realizada sobre o projeto).

IMG_0970-300x200

Fotos  © www.stephmunnier.com

O Afrobetizar é um projeto que tem como principal foco a representatividade negra afim de que as crianças se projetem positivamente na sociedade e tem como educadores Vanessa Andrade, Aruanã Garcia e Gessica Justino. Cada vivência afirmativa é como se caíssem dos olhos delas vendas que estavam prometidas a ser eternas. E assim foi no Kbela.

Chegando na Cinelândia (praça que abriga o Cine Odeon), elas se depararam com uma das atrizes, a Dandara Raimundo e logo se impressionaram com sua beleza e obviamente seu cabelo foi a grande atração.

Começava ali um reconhecimento e uma possibilidade de ser belo sendo quem se é. Alguns passos a frente já estavam na porta do cinema e a pergunta foi se éramos irmãs das pessoas que estavam ali (Claro que somos!). Seus olhos brilhavam, especulavam e de verdade conseguimos em segundos concretizar nossa vontade de vê-las se sentindo representadas.

Logo já estavam “em casa”. Cumprimentavam as pessoas, estavam ansiosos para entrar na sala e correram logo para dar um abraço na diretora. Um deles me disse: “Caraca, é a diretora de verdade! Ela tem maior cabelão do estilo! ”

Isso importa!

IMG_0930-300x200

Fotos  © www.stephmunnier.com

Assistiram o filme atentos, olhos marejados. No final levantaram, dançaram e aplaudiram de pé… já no hall do Odeon um deles foi sorteado e ganhou o livro “Os mil cabelos de Ritinha” dos escritores Paloma Monteiro & Daniel Gnattali (https://www.facebook.com/osmilcabelosdeRitinha). Ali mesmo já começou a leitura.

Se divertiram, se emocionaram, descobriram-se , descobriram xs outrxs que também são elxs. Voltaram para casa rimando frases sobre o filme e sobre suas belezas. Voltaram relembrando as pessoas que viram. Lembravam das atrizes, entenderam as cenas, se espalharam porque estavam no que também lhes pertenciam.

IMG_0927-300x200

Fotos  © www.stephmunnier.com

Vivemos num pais onde os problemas sociais são raciais. Onde ainda cabelo crespo é tido como questão negativa. Onde a mídia se sustenta pelo desserviço que é a estereotipização e marginalização das mulheres negras, de negrxs e indígenas.

Onde deixar a auto estima dessa população baixa é uma estratégia que mata. Educar na contramão do sistema é caminhar como formiga que não desiste do seu objetivo por mais árduo que seja caminhar com pernas curtas.

E ter produções como o Kbela é adicionar milhares de elos e dar um salto enorme lá na frente. É manter a esperança de que é possível fazer acontecer, espalhar pontos positivos. É perceber que nossa representatividade é canal para educar o reconhecimento e fortalecimento social e político a partir do lugar que estão para o mundo numa constante crescente.

IMG_0985

Fotos  © www.stephmunnier.com

Agradecemos às crianças que se disponibilizaram a assistir o filme e à equipe do Kbela pela disponibilidade, carinho, atenção e amor doado aos pequenos. Acreditem. A semente está germinando.

afrobetizar1

Vanessa Andrade
Psicóloga, Doutoranda e Coodenadora do Projeto Afrobetizar

Aruanã Garcia
Biólogo, Mestre de biologia pela UFRJ, Educador de Capoeira Angola no Projeto Afrobetizar.

Gessica Justino
Bacharelanda em Dança pela UFRJ, Produtora do Coletivo Obá e Educadora de Danças Populares no Projeto Aforbetizar.

+ sobre o tema

Como funciona o programa Pé-de-Meia e como sacar o primeiro pagamento

Estudantes que concluíram um dos três anos do ensino médio...

UFRB amplia para 40% a reserva de vagas para negros(as) em concursos para docentes

A Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) dá...

Estudantes de licenciatura podem se cadastrar para concorrer a bolsas

Os novos alunos matriculados em cursos de licenciatura presenciais em 2025 que foram...

Começa convocação de estudantes em lista de espera do Sisu

Os candidatos selecionados pela lista de espera do Sistema...

para lembrar

Prêmio Luiza Bairros

A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências...

Inscrições para o Fies 2018 terminam neste domingo (22)

As inscrições para o Novo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) do...

Projeto de teatro aborda a temática do preconceito na sala de aula em Manaus

Para esta edição, os atores do projeto apresentarão a...

Projeto leva cinema para estudantes da rede pública de ensino

  Rio de Janeiro – O Projeto Cinema Petrobras em...
spot_imgspot_img

Chance de faculdade para jovem de classe média-alta é mais que triplo da registrada por pobre

A probabilidade de um jovem de classe média-alta cruzar a barreira do ensino médio e ingressar em uma universidade é mais que o triplo da registrada...

Como funciona o programa Pé-de-Meia e como sacar o primeiro pagamento

Estudantes que concluíram um dos três anos do ensino médio regular em escola pública em 2024 poderão sacar R$ 1 mil do programa Pé-de-Meia, do governo...

UFRB amplia para 40% a reserva de vagas para negros(as) em concursos para docentes

A Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) dá um importante passo rumo à ampliação da  diversidade em seu quadro de servidores(as). A Procuradoria-Geral...
-+=