Vencedora no Festival de Gramado, a cineasta chamou a atenção para os dados sobre as mulheres no cinema brasileiro
“Essa é a grande revolução. Vamos fazer mais filmes pelo ponto de vista das mulheres. Eu tenho muito orgulho de estar aqui como cineasta, como mulher do cinema brasileiro, porque sei que eu represento e estimulo muitas outras que estão vindo aí. Na pesquisa da Ancine consta que 0% de mulheres negras estiveram no roteiro dos filmes lançados. Essa é nossa nova fronteira: vamos descobrir e nos alimentar das histórias incríveis que elas vão contar. Elas estão na sociedade, estão nos curtas-metragens e estão chegando aí“, manifestou Bodanzky.
“Não na velocidade que sonhamos, mas seguimos”
Débora Ivanov na presidência da Agência Nacional do Cinema (Ancine), Mariana Ribas à frente da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura (SAv). Além de nos cargos administrativos mais importantes do cinema brasileiro, onde estão as mulheres?
A diretora de Mate-me Por Favor, Anita Rocha da Silveira, já ouviu de um professor que mulheres deveriam “fazer apenas a montagem dos filmes, porque a tarefa se assemelha à costura”. Juliana Antunes, diretora de Baronesa, vencedor como Melhor Filme do Festival de Tiradentes de 2017, ouviu em um set de filmagem, no ano passado, que não estava ali para pensar. Ana Carolina Soares, diretora de Estado Itinerante, eleito Melhor Curta-Metragem do Festival de Brasília de 2016, viu os colegas de faculdade serem incentivados e considerados como diretores, sem que o mesmo acontecesse com nenhuma mulher.
Anita, Juliana e Ana Carolina, no entanto, resistiram e integram a estatística de mulheres diretoras. A pesquisa Participação Feminina na Produção Audiovisual Brasileira, elaborada pela Ancine, aponta que, dos filmes nacionais lançados em 2016, 17% tinham mulheres na direção, 21% no roteiro e 8% na direção de fotografia. Outras funções, tradicionalmente concebidas como “femininas”, apresentam maior participação de mulheres: 41% tinham produtoras executivas, e 58% diretoras de arte.
Dos 29 filmes lançados em 2016 dirigidos por mulheres, ainda, 14 foram documentários, produções que, na maior parte das vezes, custam menos.
O resultado de um edital milionário do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), divulgado em julho deste ano, anunciou 22 projetos aprovados para fomento: 4 deles de mulheres, 18 de homens. Em um país em que a produção cinematográfica é majoritariamente viabilizada por recursos públicos, o jogo já começa descompassado.
“As comissões são formadas por homens, que, até pela proximidade com o universo filmado, aprovam projetos de homens. Eles ganham milhões para fazer filme, e nós temos que fazer na guerrilha, porque a vontade de filmar é a mesma“, expõe Juliana Antunes, que terá seu primeiro longa exibido no Festival de Viennale, na Áustria, em outubro.
Uma vitória recém-conquistada pelas mulheres foi a definição da paridade de gênero nas comissões de todos os editais da Ancine com o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). A orientação agora é de que os editais estaduais e municipais, tanto públicos quanto privados, adotem o mesmo funcionamento. Estados como o Rio Grande do Sul, Ceará e Pernambuco já estão praticando a paridade.
“As ações que estamos fazendo agora não se refletem imediatamente. Nos editais que tiveram paridade de gênero já vemos um maior número de mulheres contempladas. Elas vão filmar e estar em festivais e no mercado. Então daqui a uns anos vamos ver o resultado das obras lançadas, e não há dúvidas de que será positivo. Não é na velocidade que sonhamos, mas seguimos”, afirma Débora Ivanov, diretora-presidenta da Ancine.
A igualdade de gênero e de raça foi incluída como objetivo no planejamento estratégico da Ancine, que orienta as ações e políticas públicas da instituição de forma permanente, e não pontual. Segundo Débora, a diretriz foi resultado de muita luta externa e interna.
“Mulheres de todo o Brasil estão organizadas para ocupar o cinema. Dentro da própria Ancine, há pessoas que ainda não estão sensibilizadas, que encaram como um assunto menor. Mas não é, e com dados na mão a gente fica mais forte na discussão. Vamos aprofundar as pesquisas em novos campos de atuação e na participação da mulher negra“, alega.
Narrativa, território de disputa
Mais do que uma lacuna na mão-de-obra envolvida nas produções, o baixo número de mulheres nas funções de liderança criativa gera falhas narrativas e simbólicas.
“É possível contar histórias do outro. Mas estamos falando de menos de 20% dos filmes sendo dirigidos, roteirizados e protagonizados por mulheres. Então que narrativas estão sendo contadas? Quem constroi as personagens? Elas reforçam que tipo de imagem? Elas dão conta das nossas nuances? Como, se nós nem estamos lá?”, questiona Tata Amaral, que finaliza seu sexto longa-metragem como diretora, Sequestro Relâmpago.
“Existe um posicionamento em todos os elementos de linguagem para que eu consiga colocar questões vitais para a mulher, seus desejos, subjetividades, sua libertação. Eu faço um cinema feminista porque ele está cinematograficamenteapresentado a partir da visão da mulher, o que é vital pra gente romper com o estado machista do mundo”, defende Ana Carolina Soares, que acaba de filmar seu segundo curta, Logo após.
“O audiovisual é muito potente, e precisamos de toda diversidade de pessoas contando suas histórias. Chega de só homens brancos nas câmeras, nas mesas, nos festivais”, encerra Tata.