Leia Áurea: 137 anos – A abolição que fomentou a injustiça e o racismo

Enviado por / FontePor Marcos Manoel Ferreira

Em uma linha, a Lei No. 3.353 de 13 de maio de 1888, declarava extinta a escravidão no Brasil, após aproximadamente 400 anos de jugo europeu português do tráfico de povos africanos. “Art. 1º. É declarada extincta desde a data desta lei a escravidão no Brazil”. Sem assegurar qualquer compensação financeira ou garantias sociais aos recém alforriados. Alicerçado no gesto “generoso” da Princesa Isabel, descortinou um novo capítulo na vergonhosa escravidão, fomentada pelo racismo, pelos lucros metropolitanos e pelas elites coloniais. A trajetória dos escravizados afro-brasileiros, em tese, chegava ao último país das Américas.

A via-crúcis de seres humanos retintos, que pela cor da sua pele foram subjugados como indivíduos inferiores — a eugenia e seus horrores racistas —, que em sua terra originária, muitos eram reis e rainhas, expressões máximas de força, garra e poder. A chegada dos imigrantes, com subsídios governamentais e privados, foram substituindo a mão de obra escravizada, preta alforriada, pela remunerada e branca. Parindo um crescente excedente de mão de obra outrora escravizada, constituindo-se em uma massa social de indivíduos marginalizados e invisibilizados.

Após 137 anos, o banquete dos provincianos racistas, continuam ocupando e apropriando de forma irregular, de terras quilombolas e indígenas, responsáveis pela miséria de pretos e pretas anônimas, invisíveis, em presépios vivos sob viadutos, apinhados em morros, que ainda lutam pela verdadeira liberdade, perenes nas Revoltas da Chibata. Os escravagistas do século XXI, subsistem deleitando na intolerância racial e religiosa, vertendo sangue alheio de um povo que resiste para existir, em um êxtase sádico, um delírio típico dos racistas. O trabalho cativo, fomentou a avidez de uma sociedade que ostentam a injustiça, em balas legais que nunca são perdidas, em pele preta, são sempre alvos. Como os 257 tiros no carro do músico preto Evaldo e sua família no Rio de Janeiro, disparados pelo Estado brasileiro, porque “confundiram” o veículo. Só nunca confundem condomínio de luxo com favela, nem brancos famosos com pretos anônimos.

Massacram a grande senzala brasileira, penduradas em barrancos, que a eugenia brasileira e as tentativas de branqueamento, sempre viram como a ameaça e atraso ao progresso. De troncos que ainda gemem e sangram pelos açoites da indiferença, nos camburões metamorfoseados em câmaras de gás e da política neroniana nas periferias. A efeméride da assinatura da Lei Áurea, há muito mais razões para uma reflexão, um debate nacional sobre a adoção de políticas públicas afirmativas, que para comemorações. A necessidade de ações governamentais, juntamente com a sociedade civil, no combate ao racismo, a violência contra a população negra, a realidade de exclusão e miserabilidade dos afro-brasileiros e instrumentos possíveis, para a construção de uma sociedade antirracista e equânime.

A abolição promoveu o Império e a elite racista em berço esplêndido, abrindo caminho para a República coronelista e a perpetuação do colonialismo patriarcal, corroborando com uma abolição em que os alforriados foram defenestrados e marginalizados pelo Estado, sob a narrativa histórica do mito da democracia racial, ovacionada por parte de uma sociedade equivocada e cúmplice, financiando, subsidiando a imigração europeia branca, para suplantar a mão de obra preta e mantendo abertas as veias da América, que sangram com o racismo.

Portanto, que nestes 137 anos, a grandeza de todos os anônimos que aqui desembarcaram, resistiram, lutaram, tombaram em batalhas Homéricas pela sobrevivência, não menos fortes e grandiosos em seus ideais, que continuam a inspirar, em manter acesa a flama da luta, da resistência, por novas conquistas, espaços e que signifique muito mais do que é propalado. Sem o proselitismo romântico e ingênuo, da misericórdia, da bondade e do heroísmo altruísta que nunca houve por parte da Princesa Isabel. Assim, a Lei Áurea, aboliu a escravidão, não o racismo.


Marcos Manoel Ferreira – Nasci em 23/04/1968, Goiânia-GO, Doutorando (Aluno Especial) em Performances Culturais pela UFG; Mestre em História Cultural, Religião e Sociedade — UEG; Especialista em História e Cultura Afro-brasileira e Africana; Especializando em Relações Internacionais; Historiador; Pedagogo, com Habilitação em História da Educação Brasileira; Articulista e colaborador em alguns veículos de comunicação. Articulista e Pesquisador das Congadas.


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