Levante de João Cândido era tabu na instituição

FONTEDa Folha de S. Paulo 
João Cândido (Imagem: Arquivo Nacional)

A Revolta da Chibata sempre foi um tabu para a Marinha. Ela não só ignorou a anistia concedida pelo Congresso em 1910 aos marinheiros sublevados como até recentemente perseguiu os que trataram os revoltosos como heróis.No prefácio de “A Revolta da Chibata”, Edmar Morel relata que Aparício Torelly, o Barão de Itararé, foi seqüestrado em 1934 por oficiais da Marinha depois de publicar na “Folha do Povo” duas reportagens sobre a vida de João Cândido. Segundo Morel, foi depois deste episódio que o humorista colocou na porta de sua sala no jornal a placa “Entre sem bater”.  O “Diário da Noite” teve de interromper, por pressões, uma campanha para ajudar o ex-marinheiro que estava doente. No Estado Novo, o escritor Gustavo Barroso foi proibido pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) de continuar a escrever sobre a revolta em “A Manhã”.

O próprio Edmar Morel foi cassado pelo regime militar, em 14 de abril de 1964.

Ainda durante a ditadura, Aldir Blanc teve problemas com a censura quando ele e João Bosco compuseram “O Mestre-Sala dos Mares”, gravado por Elis Regina em 1974. Ele conta que teve de comparecer três vezes ao departamento de censura que funcionava no Palácio do Catete, então já transformado em museu. “Ouvimos ameaças veladas de que o Cenimar [Centro de Informações da Marinha] não toleraria loas a um marinheiro que quebrou a hierarquia e matou oficiais.”

O título original do samba era “O Almirante Negro”. Com o veto eles mudaram para “O Navegante Negro”, sem sucesso. Um dia o censor lhe chamou num canto e disse que o problema continuava porque a música fazia apologia dos negros. “Foi a maior manifestação de racismo que já vi.” Eles mudaram o título para “Mestre-Sala dos Mares” e várias passagens, e a música foi aprovada.

Apesar da decisão do Congresso em 1910, João Cândido nunca foi anistiado. Por essa razão, a então senadora Marina Silva (PT-AC) apresentou projeto de lei que lhe concede a anistia “post mortem”. O projeto, aprovado no Senado em 2002, está parado na Câmara desde março de 2005.

O Palácio do Catete era a sede do governo em 1910 quando os sublevados da Armada apontaram os canhões para o Rio. Em 22 de dezembro do ano passado, os jardins do Catete, hoje Museu da República, passaram a abrigar a estátua de bronze de três metros de João Cândido. Obra do escultor Valter Britto, o Almirante Negro olha para as águas da Guanabara onde, há 97 anos, liderou a revolta dos marinheiros. (MB)

-+=
Sair da versão mobile