Livro de Abdias Nascimento que confrontou teoria da democracia racial é relançado

(Foto: Reprodução/ Editora PERSPECTIVA)

Em 1977, Abdias Nascimento estava em Lagos, Nigéria, pronto para apresentar, no Colóquio do Segundo Festival Mundial de Arte e Cultura Negras, um ensaio combativo, que buscava desmontar uma teoria amplamente difundida na cultura brasileira e que vinha sendo propagada mundo afora pela ditadura militar da época: a de que a nação vivia em tranquila harmonia racial, e que os negros eram menos excluídos por aqui do que no apartheid da África do Sul ou em certos estados do Sul dos Estados Unidos. Mas o governo brasileiro impediu o dramaturgo e ativista de representar o país no evento, substituindo-o pelo professor Fernando A. A. Mourão, que defendia teorias opostas.

O texto, porém, foi publicado em mimeógrafo pela Universidade de Ife, na Nigéria, onde Nascimento lecionava como professor visitante, e depois distribuído pelo próprio autor aos participantes do colóquio, que foram apresentados a uma visão até então desconhecida do país. A sua tentativa de demonstrar, inclusive com números objetivos, o processo de aniquilação da identidade de homens e mulheres negros por mecanismos socioeconômicos marcou muitos intelectuais africanos. Em 1978, foi publicado em livro no Brasil com o título de “O genocídio do negro brasileiro — Processo de um racismo mascarado”, tornando-se um símbolo da denúncia do racismo — e de seu acobertamento pela sociedade —, inclusive pelo uso sem restrições da palavra “genocídio”, que até hoje gera controvérsia.
Quarenta anos depois, a obra está sendo relançada pela editora Perspectiva, com prefácios do sociólogo Florestan Fernandes e do Nobel de literatura nigeriano Wole Soyinka (presente no colóquio de 1977), além de um posfácio da viúva de Nascimento, Elisa Larkin. A republicação do texto, acredita ela, traz o registro de um momento decisivo na evolução da luta contra o racismo no Brasil.

— O livro chega agora a um público talvez mais preparado para receber sua mensagem — argumenta Elisa, que dirige o Instituto Ipeafro, fundado por Nascimento. — Já passamos por várias fases de lutas e conquistas em relação a políticas públicas provocadas por questões que o Abdias colocou pela primeira vez. A sociedade se conscientizou o suficiente da existência do racismo para reconhecer o enfrentamento necessário para chegar a essas políticas.

Elisa lembra que, na época, o uso do termo “genocídio” foi visto como “inusitado” e até “agressivo” por alguns. Ao barrar a participação oficial de Nascimento no colóquio, o governo tentou impedir que sua denúncia alcançasse um contexto internacional. Porém, o conteúdo explosivo de seu texto ganhou enorme repercussão, em parte graças à mobilização de intelectuais nigerianos.

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— O Brasil usava a imagem da chamada “democracia racial” como apelo para exportar produtos a países africanos — lembra Elisa. — Abdias sublinhava como esse comércio alimentado por uma mentira beneficiava apenas uma elite racista que discriminava os negros em condições de trabalho degradantes.

“O genocídio do negro brasileiro”

Autor: Abdias Nascimento

Editora: Perspectiva

Páginas: 232

Preço: R$ 45,00

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