Lorenna Vieira é vítima de racismo em agência do Itaú. ‘Não é caso isolado’

Influenciadora digital conta que foi desbloquear um cartão e sacar dinheiro, mas acabou levada à delegacia pela Polícia Civil por suspeita de fraude

por RBA

Foto: Reprodução/Twitter

A esteticista e influenciadora digital Lorenna Vieira foi vítima de racismo, na última quinta-feira (30), em uma agência do Banco Itaú, no Rio de Janeiro. Ela conta que foi desbloquear um cartão e sacar R$ 1.500, mas acabou levada à delegacia pela Polícia Civil, acusada de fraude.

Ela diz que foi tratada como criminosa e afirmou, ainda, que os funcionários do banco não buscaram entender o que havia acontecido antes de chamarem a polícia. “Foram me buscar dentro do banco. Não tinha mais ninguém no banco, não estava entendendo por que da demora e chamaram a polícia pra mim. Me tiraram de lá, falaram que não era eu na identidade, que o dinheiro que estava entrando não era normal. Além do vexame, ficaram fazendo perguntas do tipo “Você é o que do Rennan da Penha?”, contou Lorenna, nas redes sociais.

Ana Mielke, jornalista, mestre em comunicação e ativista, lembra que o caso da jovem não é isolado. “O racismo é isso: uma redução do olhar sobre o sujeito negro”, disse. Ana ainda lembra que falta ações dentro das empresas privadas para acabar com o preconceito no atendimento ao cliente.

“As empresas privadas precisam entender que inclusão não é só fazer propaganda com negros e a população LGBTI, é preciso treinar os funcionários para atender as pessoas sem o olhar preconceituoso, além de incorporar mais dessas pessoas para o corpo da empresa”, critica Ana, em entrevista aos jornalistas Glauco Faria e Nahama Nunes, da Rádio Brasil Atual.

Em dezembro do ano passado, o Sindicato dos Bancários de São Paulo denunciou que o Itaú realizou uma seleção para seu programa de trainee e excluiu majoritariamente candidatos negros e pardos. “Nos bastidores, o banco faz palestras valorizando a diversidade, e no discurso tudo é lindo, mas o que se vê na prática é, silenciosamente, o Itaú selecionando quem eles querem que representem a imagem do banco, excluindo pretos e pardos”, afirmou o coordenador do coletivo de combate ao racismo do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Júlio Cesar.

Em nota, o Itaú Unibanco pediu desculpas e disse que “lamenta profundamente os transtornos causados a Lorenna Vieira”. Segundo o banco, a “a verificação de documentos é obrigatória nos casos em que o cliente não tenha em mãos o cartão do banco ou não faça uso de biometria para realizar saques”. “O objetivo do procedimento é garantir a segurança dos próprios clientes, e não tem qualquer relação com questões de raça ou gênero. Infelizmente, pessoas mal intencionadas tentam aplicar diariamente golpes usando documentos falsos em agências do banco. Em razão desse procedimento, o Itaú Unibanco conseguiu evitar inúmeras fraudes dessa natureza contra seus clientes”, diz o texto.

Complemento do G1

Ela diz que, sem receber maiores explicações ou avisos, acabou sendo levada para a delegacia.

“Elas (as funcionárias) estavam falando que ‘entrou uma quantidade de dinheiro e a gente não sabe de onde vem’. Eu fiquei sem entender. Eles começaram a cochichar, os funcionários do banco começaram a me olhar. Eu não estava entendendo. A funcionária falou para a gente esperar um pouco e saiu. Ela não voltou mais, quem voltou foi a Polícia Civil. Três policiais falando para eu ir para a delegacia”, narra ela.

Lorenna afirma que se sentiu ofendida e que acredita ter sido tratada de forma preconceituosa.

“Ela (a funcionária) falou: ‘Só falta mais 15 minutinhos para o seu problema ser resolvido’. E aí chegaram os policiais. Eu fiquei revoltada na hora. Fiquei muito chateada, as pessoas ali devem achar que eu fui presa ou eu não sei. É uma vergonha, ridículo. Eu me senti ofendida. Segundo eles, eu sou fraude, laranja. Segundo eles, aquele dinheiro não era meu”, contou ela na noite desta quinta-feira, ainda muito abalada.

Ela diz que foi tratada como criminosa e afirmou, ainda, que as funcionárias do banco não buscaram entender o que havia acontecido antes de chamarem a polícia.

Lorenna conta que foi levada, então, para a 22ª DP (Penha). Ela afirmou que chegou a rasgar o documento de identidade por causa da reação dos policiais civis.

“Eu até rasguei minha identidade, porque o policial falou que era quase impossível saber se era eu, porque o meu cabelo estava liso, falou que era pra eu jogar minha identidade fora e fazer outra com o meu cabelo natural. Aí eu rasguei. Se é uma pessoa branca que tem o cabelo alisado e depois deixa encaracolar, ninguém faria isso”, disse.

Lorenna contou que, na delegacia, foi questionada várias vezes sobre qual era sua relação com Rennan da Penha e disse ter sido tratada com deboche.

Em nota, o Itaú se pronunciou sobre o caso.

“O Itaú Unibanco lamenta e se desculpa pelos transtornos causados a Lorenna Vieira nesta quinta-feira, no Rio de Janeiro, e vem tentando contato com ela para resolver a situação. O Itaú Unibanco esclarece que o procedimento adotado na agência é padrão em casos de suspeita de fraude, e não tem qualquer relação com questões de raça ou gênero. O objetivo era proteger os recursos de Lorenna de possível fraude, uma vez que já havia um bloqueio preventivo de sua conta corrente e era difícil identificá-la com o documento apresentado no caixa. O Itaú Unibanco acredita que toda forma de discriminação racial deve ser combatida”.

O banco não explicou, no entanto, o motivo pelo qual o perfil bancário de Lorenna foi tratado como suspeito.

Na tarde de sexta-feira (31), a Polícia Civil se manifestou sobre o caso, em nota.

“De acordo com informações da 22ª DP (Penha), uma equipe foi até a agência do banco Itaú, localizada no Mercado São Sebastião, para verificar uma possível ocorrência de uso de documento falso, detectada por funcionários da agência. Os policiais convidaram a mulher a acompanhá-los à delegacia, que fica próxima ao local, para verificar a autenticidade do documento. Após ela concordar, eles foram à unidade em viatura descaracterizada, onde foi constatado que o documento era verdadeiro e ela foi liberada”, diz a nota.

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